7 coisas indispensáveis para um editor de literatura para crianças e jovens

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Quando me propuseram esta pauta pensei imediatamente em quais seriam os mandamentos que todo editor de LIJ deveria seguir para orientar o seu trabalho. Mas na medida em que fui tentando entender o porquê do numero 7, tão cabalístico e simbólico, com a mesma rapidez, me desfiz da ideia de mandamentos, excessivamente pretensiosa e próxima demais de um modelo, de um padrão, tão contrários à liberdade, flexibilidade que, a meu ver, devem alimentar e caracterizar um fazer editorial dinâmico e criativo. Entretanto, a ideia de identificar alguns pré-requisitos não parou de me martelar e pensei que seria um fechamento para a reflexão das últimas semanas sobre a natureza do editor de LIJ.

Como toda atividade intelectual, a formação do editor não tem hora, nem data de conclusão. Ao contrário, é um longo processo que, para além do conhecimento “técnico”, pressupõe imersões no campo da literatura, da filosofia, das humanidades em geral. Nada como um bom curso de Humanas para formar um bom editor: eis a fonte dos critérios e do repertório que vão orientar as escolhas e as decisões. Pensando nisso, identifiquei e separei alguns aspectos que podem ser, para efeito de reflexão, considerados essenciais para o bom desempenho desta função.

Em primeiro lugar, alguns aspectos mais gerais:

1. Ter familiaridade com a história da LIJ, com o seu processo de constituição enquanto gênero literário, com as polêmicas do debate em torno de sua afirmação e das teorias a sua volta, pois nisso reside a tomada de consciência do espaço de onde pisamos e do qual estamos falando.

2. Acompanhar e refletir sobre as tendências e as características das diferentes etapas do desenvolvimento da LIJ, nacionais e internacionais, pois isso ajuda a formar a base do repertório necessário para poder estabelecer critérios de avaliação e seleção, assumir preferência e afinar gostos.

3. Pensar historicamente na criança e no jovem, no sentido de identificar e se possível antever tendências, questões, mudanças sociais de modo a publicar livros em consonância com as inquietudes contemporâneas, de acordo nosso tempo mas pensando no futuro.

Em segundo lugar, algumas questões mais específicas:

1. Conhecer profundamente e identificar as etapas, os tempos, as atribuições de cada fase do processo de edição é condição para exercer o papel de gestor e coordenador que cabe ao editor, responsável primeiro por todo o processo.

2. Dirigir e coordenar a edição de texto e de arte, o texto e a ilustração, de maneira que ambas as linguagens se complementem e se potencializem. A decisão dos pesos de cada linguagem e a escolha da técnica, do traço são decisivas para o resultado final.
3. Acompanhar as tendências internacionais e nacionais das publicações e acompanhar a crítica, no Brasil, infelizmente, praticamente inexistente. Ficar atento para as mudanças, do livro-álbum como suporte de inovação aos livros digitais.

4. Conhecer o mercado, identificar a concorrência para melhor se posicionar, identificar os seus leitores e demarcar a cara de seu catálogo de modo a fidelizar seu público e criar as bases para sua credibilidade no mercado.

Coerência e credibilidade caminham juntas no que se refere ao mercado. O público se identifica com uma determina linha editorial e o editor é responsável por dar continuidade e alimentar essa cadeia. Daí a importância de delimitar e definir o projeto editorial, de identificar as escolhas em consonância com uma proposta mais ampla que de sentido e justifique cada tomada de decisão.

Essa centralidade do trabalho editorial é justamente a que faz do editor a alma de toda editora, cabendo a ninguém melhor do que ele o ponta pé inicial e o controle de qualidade de todas as ações que envolvem o livro do original a sua entrada no mercado.

A profissionalização do mercado editorial, a progressiva especialização das diversas áreas, a inversão dos papéis em favor de uma perspectiva puramente mercadológica, entre outros fatores, dificultam a formação desse editor, como figura central de todas as ações e decisões. Porém, é desde a subordinação do mercado à vocação cultural de uma editora que reside o seu sucesso a médio e longo prazos, e não no inverso, apesar especulações atuais.

Para fazer frente ao progressivo desaparecimento dessa figura praticamente lendária no mundo da edição, tomam corpo e ganham importância as equipes editoriais que, no caso da edição de LIJ, têm uma composição específica que é necessário levar em conta e respeitar. Se de modo geral o editor de texto dirige a cena, cada vez mais o papel do design gráfico, do editor de arte e muitas vezes do produtor gráfico ganham relevância e muitas vezes protagonismo. É só pensar, por exemplo, nos livros de imagens e nos formatos mais ousados, com recortes, facas etc.

Daí a importância de procurar a harmonia entre estes dois lados que, muitas vezes, em defesa de cada terreno particular, se converte em palco de fortes tensões. E aqui o elemento diferenciador reside outra vez numa gestão clara dos processos, das etapas; na constituição de equipes que trabalhem em torno de projetos claros, compartilhados e definidos.


Imagem: Ilustração de Daniela Murgia.


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  • Dolores Prades

    Fundadora, diretora e publisher da Emília. Doutora em História Econômica pela USP e especialista em literatura infantil e juvenil pela Universidade Autônoma de Barcelona; diretora do Instituto Emília e do Laboratório Emília de Formação. Foi curadora e coordenadora dos seminários Conversas ao Pé da Página (2011 a 2015); coordenadora no Brasil da Cátedra Latinoamericana y Caribeña de Lectura y Escritura; professora convidada do Máster da Universidade Autônoma de Barcelona; curadora da FLUPP Parque (2014 e 2105). Membro do júri do Prêmio Hans Christian Andersen 2016, do Bologna Children Award 2016 e do Chen Bochui Children’s Literature Award, 2019. É consultora da Feira de Bolonha para a América Latina desde 2018 e atua na área de consultoria editorial e de temas sobre leitura e formação de leitores.

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