Cansados do livro álbum?

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Em recente coluna, publicada na Revista Emília, Ana Garralón levanta uma questão importante: a forte presença do livro ilustrado no mercado do livro infantil em detrimento de livros direcionados a um público que já domina a leitura. Embora não devamos perder de vista o contexto, pois nem em todos os países os mercados obedecem o mesmo comportamento, as mesmas regras, ela levanta uma polêmica que toca em uma das questões essenciais do livro infantil e juvenil contemporâneo.

Acabo de chegar da Feira de Guadalajara, de onde saí com uma imagem do mercado latino americano – e por extensão espanhol, uma vez que este se desdobra e está presente em praticamente todos os países do nosso Continente. Assim como no Brasil, mas talvez de forma mais segmentada, a divisão é clara: os livros chamados juvenis, onde a narrativa dominante é o texto, são a presença dominante nas editoras com forte vocação escolar. Em muitas delas o livro ilustrado é apenas um detalhe, uma vez que não são de fácil adoção nas escolas.

Encontramos logo ao lado as chamadas editoras independentes, muitas reconhecidas pelo seu trabalho de edição exemplar e ousado. Nelas, o ponto forte, ao contrário da tendência das escolares, são os livros ilustrados, ou aqueles onde texto e imagem são parceiros. Livros com cores locais, de alta qualidade estética e já reconhecidos internacionalmente na vitrine da Feira de Bolonha.

Porém, há algumas exceções e tendências interessantes. De um lado, o investimento em livros de conhecimento, os informativos – livros ilustrados que possuem uma vocação “científica” e por vezes uma resolução poética tanto no conteúdo quanto nas ilustrações. Recuperam assim uma forte tradição editorial francesa que sempre se destacou neste segmento e que hoje também se desenvolve com força nos países asiáticos. Vale lembrar que o governo mexicano, um dos maiores compradores de livros da América Latina, sempre investiu muito neste segmento.

De outro, propostas editoriais independentes que, na contracorrente, publicam livros ilustrados, mas também apostam nos leitores mais maduros que dominam a leitura e exigem livros de maior fôlego. Um exemplo é a Editorial Babel da Colômbia com a sua coleção Frontera dedicada a leitores já críticos. Concebida como uma coleção “sem idade”, investindo em uma literatura, na fronteira, de qualidade estética e sem nenhum tipo de concessão, edições cuidadas, em formato que lembra os pockets, para serem propositalmente econômicos e poderem ser lidos por muitos. Há uma intencionalidade, um investimento no conteúdo que me parece uma reação saudável frente à defesa, muitas vezes desproporcional e sem limite, do livro como objeto. Principalmente quando este tipo de inversão é feita em conjunto com a produção de livros ilustrados de alta qualidade.

No caso do Brasil, uma visita a qualquer livraria importante, mostra a convivência dos livros ilustrados junto às inúmeras séries juvenis de sucesso, na sua maior parte estrangeiras que, na onda de Harry Potter, fazem os jovens leitores correrem às livrarias. Se, por um lado, existe uma vasta produção de livros mais escolares, se produz também uma grande quantidade de livros ilustrados que cada vez mais são aceitos nos mais diferentes mercados.

Existem nichos que correspondem a diferentes mercados e o livro ilustrado aparece como uma das plataformas mais contemporâneas do livro infantil e juvenil. Daí a ênfase dos especialistas, mas não apenas deles, na busca para entender melhor a produção, recepção e possibilidades dessa nova linguagem onde texto e imagem se entrelaçam de forma orgânica. Principalmente porque a força da imagem atribui uma universalidade ao objeto livro que o texto e a língua dificilmente alcançam. Daí o rompimento mais fácil de algumas barreiras como as da idade.

Reconhecer isto não significa deixar de lado a importância do livro onde o texto, a narrativa (seja ela prosa, poesia, teatro) subsistem por si mesmos, ou a diversidade de gêneros e temas que atraem diferentes tipos de leitores e que podem incorporá-los ao mundo dos livros, da fantasia, do conhecimento e da reflexão. Isso, que parece óbvio, é de certa forma o tema do texto de Ana Garralón. Para além do foco centrado neste tipo de livros, uma das razões para essa ênfase resida no mercado e na enorme quantidade de publicações. Os diferentes nichos, a produção desenfreada de livros, colocam cada vez mais em evidência a diversidade de leituras e de leitores.

Estamos frente a um mercado que se torna cada vez mais complexo e que afeta todos os gêneros, em particular o do livro para crianças e jovens. Já falei disto em colunas anteriores, os conceitos e parâmetros que até pouco tempo davam conta deste universo, hoje são insuficientes. Os espaços para ganhar destaques são limitados, nesse sentido o livro ilustrado, o livro objeto ganha uma visibilidade que o livro só de texto não tem. A exceção de livros de autores reconhecidos, premiados, que não estão restritos a um único mercado, ou que viram filme ou outros produtos. Ou os que já vem com uma campanha que lhes garante lugar de destaque nas livrarias.

Concorrer com esses mecanismos, num mercado cada vez mais competitivo é progressivamente mais difícil. Isso faz pensar como se tornar visível e se destacar no meio de uma avalanche de publicações e estímulos, muitos deles, distantes do mundo editorial. Para os editores é fundamental ter claro o nicho e os mercados que se quer atingir e ser coerente com o seu público. Num mundo onde tudo é cada vez mais massificado e descartável, o caminho é acreditar na diversidade e complexidade humanas, acreditar na diversidade de leitores e na qualidade, que garante a permanência de algumas obras.


Imagem: Ilustração de Anita Prades.


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  • Dolores Prades

    Fundadora, diretora e publisher da Emília. Doutora em História Econômica pela USP e especialista em literatura infantil e juvenil pela Universidade Autônoma de Barcelona; diretora do Instituto Emília e do Laboratório Emília de Formação. Foi curadora e coordenadora dos seminários Conversas ao Pé da Página (2011 a 2015); coordenadora no Brasil da Cátedra Latinoamericana y Caribeña de Lectura y Escritura; professora convidada do Máster da Universidade Autônoma de Barcelona; curadora da FLUPP Parque (2014 e 2105). Membro do júri do Prêmio Hans Christian Andersen 2016, do Bologna Children Award 2016 e do Chen Bochui Children’s Literature Award, 2019. É consultora da Feira de Bolonha para a América Latina desde 2018 e atua na área de consultoria editorial e de temas sobre leitura e formação de leitores.

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