Katsumi Komagata

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É com sabedoria, beleza e simplicidade que o designer gráfico japonês Katsumi Komagata aposta te fisgar. Enquanto todos os objetos desenvolvidos para crianças são feitos de materiais resistentes, o artista usa da delicadeza para, de cara, ensinar às crianças que tudo na vida é frágil – inclusive as relações humanas.

Numa mistura perfeita e abstrata, Komagata ultrapassa a classificação de livro infantil para nos apresentar obras de arte, daquelas que nos convidam ao manuseio e contato físico intenso. O simples de Komagata é muito mais complexo do que se imagina. É um caminho de desenvolvimento em que todos podem participar.

A história de Komagata com os livros vem da sua relação com a filha, há mais de 20 anos. O contato visual foi o ponto de partida para que o artista estabelecesse um laço afetivo através da comunicação. Após perceber que os olhinhos da garota seguiam as cores brilhantes de suas criações, ele nunca mais parou e acabou se especializando em livros infantis. E para que pudesse surpreendê-la sempre, cada uma de suas obras trabalham com a curiosidade e o novo. Não há fórmula que se repete, com exceção da delicadeza e da influência do origami – técnica que ele diz revisitar para não parecer ultrapassado.

Através da imaginação, todos os seus livros desafiam não somente às crianças, mas os adultos, a enxergarem o mundo a partir de um novo ângulo. E assim, experimentar a contemplação plena, de quem vê na natureza, na cor e na música, um livro feito de recortes impecáveis, com ou sem palavras, impressão caprichada e acabamento sofisticado. E mais: um objeto possível de pegar e sentir, desde que se permita à mente operar em modo criativo.

Komagata também vive a passar seus ensinamentos adiante. Ministra oficinas em vários países e é um dos principais nomes dos livros e projetos táteis para crianças. A ideia de dividir o que vem acumulando vem justamente de querer tirar as pessoas da sua zona de conforto e aproximar a sociedade através de experiências e comunicação, palavra que usa muito. Para ele, aquilo que é muito fácil não parece real, e as crianças têm de enfrentar desafios justamente para valorizar a vida ainda mais. Afinal, tudo se quebra.

Pela primeira vez no Brasil, Komagata desembarca agora para o Conversas ao Pé da Página e na sequência participa de uma oficina no Instituto Tomie Ohtake, ao lado de Fernando Vilela e do espanhol Javier Zabala. Está ansioso e não sabe o que esperar, revelou à Emília, durante a entrevista que segue.

Katsumi Komagata

Thais Caramico Quando você começou a fazer livros?

Katsumi Komagata – Comecei quando virei pai, há muitos anos. É muito difícil se comunicar com um bebê. E como eu não pude morar com o meu pai por causa de uma doença dele, eu também não tinha ideia como era ser pai. Quando minha filha completou três meses, ela começou a olhar para as coisas. Eu não tinha certeza se ela realmente enxergava algo, mas seus olhos iam da esquerda para a direita e vice-versa. Foi quando ela começou a me olhar também, tentando imaginar quem eu era.

TC – A paternidade revelou então uma necessidade de informar e entender uma criança?

KK – A existência de um pai é diferente porque até então é um ser novo, diferente da mãe, com quem o bebê já conviveu nove meses. Foi assim que eu comecei a inventar uma série de cartões para chamar a atenção da minha filha. Fiz mais de 100 e no começo eu só queria que ela olhasse para aquilo. Mas fui percebendo que daquela forma a gente estava se comunicando, mesmo que ela não entendesse uma palavra sequer. Ficou claro que o interessante era que tínhamos transformado aquilo num momento divertido, em que dividíamos algo. Demos então o primeiro passo da comunicação e passamos a nos conhecer melhor a cada dia.

TC – De lá para cá, já são mais de 20 títulos e muitas vezes com estilos muito próprios.

KK – Eu sempre tento criar algo novo para uma obra. Alguns nem são como os livros tradicionais para crianças e os adultos até duvidam se serão úteis, por serem sensíveis demais. Fui trabalhando dessa forma principalmente porque fui acompanhando o crescimento da minha filha e sempre quis apresentar algo novo para ela – só assim a gente continuaria se divertindo.

A Cloud
A Cloud

I'm gonna be born
I’m gonna be born

TC – E todos muito delicados e sensíveis. É um estilo seu, que tem a ver com suas influências ou há algo mais por trás disso?

KK – Faço livros sensíveis porque sempre quis mostrar para minha filha que as coisas são finitas. No geral, as pessoas tentam dar as coisas mais duráveis para as crianças brincarem. Óbvio que se for muito sensível, não vai ser útil. No entanto, é importante que as crianças aprendam que as coisas quebram e se destróem e que nós temos de aprender a cuidar delas com delicadeza. Se uma página é rasgada por uma criança, dá para consertar usando fita adesiva ou cola. E assim a criança vai aprender que precisa ter mais cuidado se não quiser estragar aquilo. Com pessoas também é assim. Somos sensíveis e nos machucamos, então precisamos saber nos comunicar e entender um ao outro.

TC – Como as tradições japonesas fazem parte do seu trabalho?

KK – Através da cerimômia do chá, por exemplo, eu descobri a palara “ICHIGO ICHIE”, que significa “um único encontro pela última vez”. A gente realmente se concentra e foca em um encontro, se sabemos que é uma chance única. Encontro para mim é poder dividir atividades como leitura, jogos e outros divertimentos através de livros e oficinas. Claro que, tecnicamente, eu encontro no origami um método de trabalhar. Só que origami mesmo é algo que parou no tempo e, para chamar atenção nos dias de hoje, eu uso a dobradura de um jeito moderno.

Little tree
Little tree

TC – Livro de arte ou livro de artista? Qual a melhor definição?

KK – Arte é uma obra sólida que contém uma mensagem definida pelo artista. No entanto, é difícil de ser tocada por todo mundo. Livro é um produto, um objeto. Pode ter começado como uma obra de arte, mas há métodos e ferramentas usadas que fazem dele algo maior que uma peça de arte – algo que expande o que vemos e que, sim, pode ser tocado por todas as pessoas. A quantidade, então, faz uma diferença enorme.

TC – Quem são seus mestres, artistas que você admira?

KK – Como eu sou designer gráfico, admiro muito o Kazumasa Nagai, que é um grande nome do design no Japão. E também Bruno Munari, que foi artista e designer.

TC – Quando foi seu primeiro contato com o trabalho de Munari?

KK – Descobri Munari em uma obra chamada “PREBOOKS”, em 1981, em Nova York, na livraria onde eu trabalhava como designer gráfico. No começo, eu não estava certo de que os livros eram para crianças, mas fui atraído por aquilo e achei tudo muito interessante. Minha filha também adorava os livros do Munari quando criança. Então para mim ele é um gênio, que soube mostrar a essência das coisas para todo mundo. Sem ser algo complicado de entender, ele nos ensinou a ser simples e inteligentes de um modo divertido.

TC – E você guarda esses livros ou estão com sua filha?

KK – Tenho todos. Eles já estão estragadinhos, mas faço questão de entregar para ela quando se casar. Acho que os livros guardam nossas memórias e devem permanecer com a gente para sempre!

Walk and Look
Walk and Look

Found it!
Found it!

TC – O que é o design para você?

KK – É resolver um problema, é conseguir adaptar tudo nos dias de hoje. Fazer design é dividir os pensamentos, comunicar. As palavras precisam ser traduzidas em diversas línguas, mas a comunicação visual é fácil de ser compreendida e compartilhada. Acho que entender ou aprender design é muito útil para todo mundo. Acho até que deveria fazer parte da grade curricular das crianças na escola. Esse é um projeto meu para o futuro.

TC – Você fala bastante sobre comunicação. O que essa palavra significa?

KK – Comunicação quer dizer dividir algo através da leitura de um livro, uma brincadeira, e criando coisas em conjunto. É o que eu tento fazer com crianças e adultos. Acontece que se a comunicação for muito infantil, os adultos não vão se interessar. Por outro lado, se for muito elevada, as crianças vão sair correndo. A melhor forma de se comunicar, então, é sugerindo algumas coisas para as pessoas lerem e deixarem que elas liberem a imaginação e tragam respostas sozinhas. Até porque as crianças são ávidas por saber e absorver muitas coisas. Cabe a nós, adultos, inspirá-las e dar apenas algumas dicas para que elas se interessem por motivação própria.

TC – Você também costuma fazer oficinas para o público adulto e infantil, muitas vezes para famílias. De onde veio esse interesse?

KK – Foi durante minha primeira exposição. A diretora do museu queria saber como as crianças respondiam à minha obra. Então ela organizou uma série de cartões que deveriam ser colocados em uma caixa. Dias depois ela me mostrou que os cartões tinham sido desenhados pelas crianças, que estavam influenciadas pelos meus livros. E essa atividade foi livre, ninguém pediu que as crianças desenhassem ali. Desde então, percebi que a gente só precisa estimular um pouco para que a criança se desenvolva com sua própria imaginação.

Oficina Komagata

TC – E onde essas oficinas acontecem?

KK – Em museus, bibliotecas e escolas. Tento sempre criar regras para que assim as crianças aprendam a segui-las de forma divertida. Está aí uma outra porta a ser aberta. Tem criança que não gosta de ler, algumas que dizem que não sabem desenhar e outras que não gostam de seguir regras. O segredo é encontrar a diversão através da criação. Então eu peço para os participantes recortarem papéis e colarem, formando figuras sem saber desenhar e se sentindo livres para se expressar como podem e querem. Dessa forma, eles só tem de entender as regras iniciais, percebe?

TC – Como você vê a formação de leitores hoje em dia?

KK – Olha, temos ferramentas bastante interessantes, como o computador, e estamos vendo crescer o número de livros digitais cada vez mais. Isso é uma coisa boa, mas eu penso que o mais importante de tudo para as crianças é aprender que as coisas se quebram se não cuidarmos bem delas. Computadores não dizem isso e estão sempre iguais, a mesma coisa todos os dias. Já os papéis são sensíveis e carregam essa mensagem no próprio material: se cuidá-lo mal, vai rasgar. É esse tipo de sensibilidade que é necessário aprender na infância.

TC – A forma gráfica é boa de contar histórias?

KK – Em vários casos, sim. A verdade é que a gente precisa explicar o que está acontecendo e as fotos, por exemplo, são um material bem bom para isso. Só que as ilustrações nos deixam mais livres para imaginar e, para conseguir criar ainda mais, as formas gráficas são ótimas pois são quase abstratas.

Plis et plans
Plis et plans

TC – Você tem um trabalho com livros táteis bastante reconhecido. Conte um pouquinho sobre isso.

KK – Fiz dois livros táteis para deficientes visuais e continuo dando oficinas com eles. Sophie Curtil, a artista que criou a série “Art Play Book” para o Centro Pompidou, me pediu na época para criar esses livros não apenas para deficientes visuais, mas para que todo mundo pudesse dividir a experiência. Eu não estava muito seguro até ver o que ela tinha para me mostrar. Foi uma inspiração! Então publiquei “Plis et Plans” e depois o “Leaves”, em 2004. Em 2011 comecei um novo projeto, desta vez para crianças com deficiência auditiva. Vai sair em novembro deste ano!

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  • Thaís Caramico

    Especializada em jornalismo para crianças, em 2009, elaborou o novo projeto editorial do "Estadinho", suplemento infantil do Estadão. Mudou-se para Londres, em 2011, para estudar Escrita para Crianças, na City University London. Desde então, trabalha como jornalista freelancer e é é sócia do Estúdio Voador.

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17 respostas

  1. Trabalho interessantíssimo ,não conhecia esse trabalho , fiquei apaixonada , espero um dia trabalhar com esse material ,ele é muito rico e tem grandes possibilidades de aprendizagens tanto para crianças e adultos.

  2. Excelente trabalho, muito original, simples, com design bem trabalhado, inspirador, e o melhor agrega: educadores, alunos e família, bem como um público diversificado.

  3. O respeito pelo livro, por um brinquedo, pelos materiais e pelos instrumentos em geral é importantíssimo, assim como o respeito pelos opiniões dos demais, o respeito pelas diferenças… O saber cuidar, saber usar, preservar… É simplesmente fundamental.

  4. Amei, fantástica a proposta dele sobre os livros táteis. Eu me pergunto qual criança não se sente atraída a um livro desses? Essa atração já é o primeiro passo, pois a criança vai se sentir motivada a falar, a usar a linguagem para dizer o que sente sobre o livro.

  5. Espetacular o trabalho desse talentoso profissional, uma arte que atende tanto as crianças como os adultos, e além disso aos deficientes. Parabéns!!

  6. Impressionante. Não conhecia esse tipo de literatura, mas fiquei fascinado. Tanto com a mensagem proposta pelo trabalho, quanto pela significação dos temas. Acredito sim, nessa possibilidadede se comunicar a efemeridade das coisas, da vida e das pessoas por meio do sensível e concreto. Desenvolve realmente, uma percepção da finitude de tudo que existe. Excelente obra…

  7. Nossa! Que fantástico! Essa delicadeza de ver as coisas pela sua fragilidade e mostrar para as crianças, quando as consertamos, que assim, devemos tomar mais cuidado ao manuseá-las, ou mesmo utilizá-las. Lindo!

  8. Trabalho maravilhoso!!! Faz a gente imaginar então eu penso que nas crianças que a imaginação ´é maior deve ser fantástico .

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