Lobato e o racismo

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Não é raro que debates importantes sejam esvaziados ou se transformem em mera disputa por causa da maneira insatisfatória como algumas questões são tratadas. É como se houvesse uma tendência à esquematização, visando reduzir todos os aspectos a categorias simples e assimiláveis. Assim, coisas e pessoas são facilmente classificadas como positivas ou negativas, boas ou más, geniais ou desprezíveis, sem qualquer nuance ou gradação: anjos recebem todas as loas, demônios merecem excomunhão.

Esse tipo de atitude tem marcado a polêmica sobre o racismo na obra de Monteiro Lobato — reacesa desde 2010, quando um parecer do Conselho Nacional de Educação apontou traços preconceituosos no livro As caçadas de Pedrinho. Apesar de muito já ter sido dito — tanto para defender como para condenar o escritor —, ainda há manifestações apaixonadas que ignoram ou distorcem fatos. Quem o acusa vê apenas o racismo; os que o apoiam fazem malabarismos para tentar provar que seus livros não contêm passagens racistas. Daí a necessidade de voltar ao assunto para esclarecer alguns pontos.

Lobato e as letras brasileiras

O endeusamento da figura de Lobato oculta a real dimensão de seu papel e de sua importância na história das artes e da literatura no Brasil. Indiscutivelmente, ele foi uma figura marcante no cenário cultural da primeira metade do século XX; porém, muitos estudiosos tendem a considerar mais relevante sua atuação como homem público do que como escritor. Seu trabalho como editor e divulgador de livros é em geral mais valorizado do que sua obra literária.

Apesar da preocupação constante com a modernização brasileira, Monteiro Lobato possuía concepções conservadoras, sobretudo na esfera artística. Sua intransigência e pouca sensibilidade no tocante à arte moderna foram apontadas por diversos críticos. Segundo Alfredo Bosi, a distância que ele manteve em relação ao modernismo e ao grupo que fez a Semana de Arte Moderna em 1922 se explica em boa parte por sua postura moralista e seu didatismo polêmico1Alfredo Bosi, “Monteiro Lobato”, em História concisa da literatura brasileira, São Paulo: Cultrix, 2001, p. 216..Exemplo disso é o famoso e contundente artigo “Paranoia e mistificação”, escrito em 1917, por ocasião da primeira exposição de pintura moderna de Anita Malfatti, que abalou de forma irreversível a artista paulistana e sua carreira.2“Paranóia ou mistificação”, O Estado de S. Paulo, 20/12/1917.

Mas o conservadorismo de Lobato não se restringiu às suas opiniões e posições em relação à produção cultural e artística da época. Também em sua obra o escritor não propôs avanços estéticos significativos. “Apesar de pontilhada de raro em raro por certas ousadias impressionistas, é uma prosa que não rompe, no fundo, nenhum molde convencional”, diz Alfredo Bosi, que situa sua literatura na tradição pós-romântica e o classifica como “moralista e doutrinador aguerrido”.3Alfredo Bosi, op. cit. Para o crítico, os textos de Lobato não têm profundidade, pois se articulam basicamente em função da produção de efeitos como o ridículo e o patético. Sua preocupação é sempre com a aparência; o que ele procura é destacar defeitos físicos ou aspectos risíveis do caráter, sem ultrapassar a superfície dos seres e dos fatos. Seus limites estéticos, observa Bosi, “derivam de um tipo de personalidade cuja direção básica não era a estética”.4Op. cit., p.217.

Sérgio Milliet, talvez o seu crítico mais agudo, sintetiza com precisão a importância literária do escritor:

Monteiro Lobato é uma figura definitiva em nossa literatura […]. Mas é uma figura que não permanecerá intacta através do tempo […]. Passará pelo crivo das revisões impiedosas e ainda encontrará entusiasmos alucinados. Do barulho sairá para as antologias uma dúzia de contos modelares. E mais boa parte de sua literatura infantil que só encontra paralelo nas grandes literaturas infantis internacionais.5Sergio Milliet, “Um sentimental apaixonado”, Ciência & Trópico, nº 9, maio/2011

Com efeito, a contribuição literária mais relevante de Monteiro Lobato parece ter sido mesmo sua obra destinada ao público infantil. É notável a maneira respeitosa como ele se dirige à criança, falando de igual para igual, sem recorrer a infantilizações — prática infelizmente ainda frequente nas obras do gênero. Lobato conta as histórias de forma natural e inventiva, despreocupado com a verossimilhança, mas requisitando a inteligência e a imaginação do jovem leitor. No embalo de obras como Alice no País das Maravilhas, O mágico de Oz e Peter Pan, ele também criou um universo fantástico, com personagens bem brasileiros, que se libertam do cotidiano realista para mergulhar na fantasia, mantendo uma postura crítica com relação ao mundo adulto.

Entretanto, mesmo a obra infantil de Lobato não é isenta de críticas. Talvez por conta de sua eterna vocação doutrinária e pedagógica, muitas vezes os textos perdem força, seja pelas inserções didáticas, seja pelas redundâncias de sua linguagem. Há quem rejeite a atitude, considerada inadequada, de seus personagens infantis. É o caso da poeta Cecília Meireles:

Recebi os livros de Lobato. […] Ele é muito engraçado, escrevendo. Mas aqueles seus personagens são tudo quanto há de mais malcriado e detestável no território da infância. De modo que eu penso que os seus livros podem divertir (tenho reparado que divertem mais os adultos que as crianças) mas acho que deseducam muito. É uma pena. […] Por nenhuma fortuna do mundo eu assinaria um livro como os do Lobato, embora não deixe de os achar interessantes.6Citado por Regina Zilberman em “Monteiro Lobato e suas fases”, Estudos de literatura brasileira contemporânea (dossiê: literatura infantojuvenil), Brasília, nº 36, julho/dezembro de 2010, p. 146.

De todo modo, os senões não abalam o brilho dessa obra fundadora, não havendo qualquer dúvida acerca de seu papel essencial na literatura infantil e juvenil brasileira.

Racismo e eugenia

A questão que mais nos interessa aqui é o racismo de Monteiro Lobato. Por mais que se afirme o contrário, não há como negar que o escritor acreditava de fato na superioridade racial dos brancos. Cartas escritas por ele, principalmente a Renato Kehl e Arthur Neiva — publicadas recentemente pelo jornal O Globo e pela revista Bravo! —, mostram sua adesão aos princípios eugênicos. Aliás, Kehl e Neiva também eram grandes entusiastas da eugenia. Surgida na França no século XIX e muito em voga na época, essa teoria foi sistematizada pelo médico François Galton, que a definia como “o estudo dos agentes sob o controle social que podem melhorar ou empobrecer qualidades raciais das futuras gerações, física ou mentalmente”.7Citado por André Nigri em “Monteiro Lobato e o racismo”, Bravo!, ed. 165, maio de 2011.

São inúmeras as cartas de Lobato que comprovam suas ideias discriminatórias e a afinidade com os princípios eugênicos. Como vários trechos dessa correspondência estão disponíveis na internet,8As cartas citadas no presente artigo aparecem em “Monteiro Lobato e o racismo”, de André Nigri (já mencionado), e “Com a palavra, Monteiro Lobato (sente antes de ler)”, de Arnaldo Bloch. cito apenas três:

País de mestiços, onde branco não tem força para organizar uma Kux-Klan (sic), é país perdido para altos destinos. […] Um dia se fará justiça ao Ku-Klux-Klan; tivéssemos aí uma defesa desta ordem, que mantém o negro em seu lugar, e estaríamos hoje livres da peste da imprensa carioca — mulatinho fazendo jogo do galego, e sempre demolidor porque a mestiçagem do negro destrói a capacidade construtiva.
(Carta a Arthur Neiva de 10 de abril de 1928.)

Dizem que a mestiçagem liquefaz essa cristalização racial que é o caráter e dá uns produtos instáveis. Isso no moral — e no físico, que feiura! Num desfile, à tarde, pela horrível rua Marechal Floriano, da gente que volta para os subúrbios, que perpassam todas as degenerescências, todas as formas e má-formas (sic) humanas — todas, menos a normal. Os negros da África, caçados a tiro e trazidos à força para a escravidão, vingaram-se do português de maneira mais terrível — amulatando-o e liquefazendo-o, dando aquela coisa residual que vem dos subúrbios pela manhã e reflui para os subúrbios à tarde.
(Carta ao escritor Godofredo Rangel, de 1908.)

Meu romance não encontra editor. […]. Acham-no ofensivo à dignidade americana. […] Errei vindo cá tão verde. Devia ter vindo no tempo em que eles linchavam os negros.
(Carta ao escritor Godofredo Rangel, sobre o romance O choque das raças ou o presidente negro, que Lobato pretendia publicar nos Estados Unidos. O livro relata um embate racial com a vitória final da “superioridade branca”.)

Os defensores do escritor que conhecem o teor dessas cartas —aparentemente nem todos as leram — procuram minimizá-lo com o argumento, frágil, de que Lobato seria filho do tempo em que viveu e, por isso, é natural que tenha compartilhado os pensamentos que circulavam no período. Ora, se aceitarmos essa tese, precisaremos admitir que ela também é capaz de justificar todos as arbitrariedades cometidas ao longo da história da humanidade, mesmo as mais extremas, como o nazismo. Além disso, a eugenia não era concepção majoritária na época: muita gente não aceitava seus preceitos, e circulavam ideias contrárias a ela. O fato é que todo indivíduo é filho de seu tempo. É com as referências que temos, da época em que vivemos, que formamos nossas convicções e dirigimos nossas ações, num sentido ou em outro.

Diante dessas evidências, fica mais fácil perceber que as concepções racistas de Lobato acabaram de algum modo comparecendo em sua obra. Em carta a Renato Kehl, de 1930, o escritor fala sobre a necessidade de lançar e vulgarizar as ideias eugênicas. A seu ver, o melhor jeito de fazer isso é por meio dos livros. Diz ele: “A escrita é um processo indireto de fazer eugenia, e os processos indiretos, no Brasil, ‘work’ muito mais eficientemente”. Parece que, com intenção ou não, isso foi posto em prática.

Diferente do que se costuma afirmar, não é só da boca de Emília que saem expressões como “macaca de carvão”, “negra beiçuda” ou “negra de estimação”, em alusão à Tia Nastácia. Ditos de cunho racista também são enunciados por outros personagens e também pelo narrador, que quase sempre se refere à Tia Nastácia como preta ou negra, muitas vezes agregando adjetivos como pobre ou boa. Por que Nastácia é a única personagem designada pela cor da pele? Seria ela uma “pobre negra” apenas por ser negra? A expressão “boa negra” não poderia ser, na verdade, uma maneira muito sutil de dizer “boa apesar de negra”?

A própria condição de inferioridade de Nastácia em relação aos outros personagens, já apontada algumas vezes,9Cf. Marisa Lajolo, “A figura do negro em Monteiro Lobato”, e Edson Lopes Cardoso, “A propósito de Caçadas de Pedrinho”.pode muito bem ser lida como manifestação racista. Em Reinações de Narizinho, é a neta de Dona Benta quem profere uma fala bastante reveladora do modo como Lobato vê o negro. Pouco antes do espetáculo do circo de escavalinho, Tia Nastácia (que estava com vergonha de aparecer diante do público justamente por causa de sua cor) é introduzida da seguinte forma:

[…] Também apresento a Princesa Anastácia. Não reparem ser preta. É preta só por fora, e não de nascença. Foi uma fada que um dia a pretejou, condenando-a a ficar assim até que encontre um certo anel na barriga de um certo peixe. Então o encanto se quebrará e ela virará uma linda princesa loura.

E o narrador conclui: “Todos bateram palmas, enquanto as duas velhas se escarrapachavam nas suas cadeiras especiais”.10Monteiro Lobato, Reinações de Narizinho, São Paulo: Globo, 2012, p. 221. Ou seja, nenhum reparo à explicação de Narizinho. E isso ocorre o tempo todo nos livros de Lobato: as manifestações discriminatórias soam sempre naturais e nunca sofrem qualquer tipo de reprovação. A criança que as lê pode facilmente acreditar que elas não contêm nenhum problema.

Outro argumento em geral usado para tentar atenuar o racismo seria a ambiguidade da forma como o negro aparece na obra lobatiana. Alega-se que, em alguns contos, o autor teria denunciado as crueldades praticadas contra os negros escravizados. Seria essa uma boa prova do suposto não racismo de Lobato? A resposta é negativa, pois a rigor não há contradição em alguém ser contra a escravidão e suas crueldades e ao mesmo tempo acreditar na superioridade da raça branca. E mesmo o tratamento considerado carinhoso que a personagem Tia Nastácia recebe — outra alegação em defesa de Lobato — pode ser entendido como condescendência de quem vê o outro de cima, como inferior.

O racismo brasileiro

Apesar de não ser essa a percepção geral, o racismo no Brasil ainda tem extrema força. Embora pouco mais da metade dos brasileiros sejam negros, eles representam apenas 20% dos que ganham mais de dez salários mínimos e o mesmo percentual dos que chegam a fazer pós-graduação no país. A ascensão social da população negra se mantém em níveis residuais, e a desigualdade ainda é alarmante.

Mas o racismo brasileiro tem uma peculiaridade: a dissimulação. Não são comuns demonstrações ostensivas ou segregações explícitas; a convivência de negros e brancos se dá em geral de maneira harmônica, sem conflitos evidentes. Daí decorre a crença, muito disseminada, de que vivemos em uma “democracia racial”. Todavia, essa condição supostamente positiva é responsável pelo enraizamento do racismo e pela grande dificuldade em combatê-lo. Como suas manifestações são muito sutis, via de regra passam despercebidas ou tendem a ser minimizadas. Afinal, comentários, apelidos, piadas, brincadeiras, ditos populares etc. soam tão naturais e não parecem trazer maiores consequências — não raro, quem os enuncia nem se dá conta de seu teor discriminatório.

Por isso, muitos não julgam ofensivo se referir a negros como “macacos”. Decerto essas pessoas não sabem que os eugenistas, numa tentativa de justificar a escravidão, chegaram a classificar os negros como uma espécie de humanoides, mais próximos dos primatas do que dos homens. Então, chamar uma pessoa negra de “macaco”, segundo explica a escritora Ana Maria Gonçalves, “é resgatar o forte legado histórico da eugenia, com todo o peso de gerações e gerações de negros que vêm sofrendo racismo através dos séculos”.11Ana Maria Gonçalves, “Políticas educacionais e racismo: Monteiro Lobato e o PNBE”,

A luta contra o racismo só pode ser efetiva se passar pelo combate às suas mínimas ocorrências, responsáveis por contaminar, ainda que de forma sub-reptícia, a mentalidade de toda a sociedade e perpetuar a situação de segregação em que vivem os negros no Brasil. Daí a importância de o governo brasileiro assumir o combate ao racismo como uma política de estado. Nesse sentido, não deveria causar espanto nem parecer caça às bruxas o fato de técnicos do Ministério da Educação se preocuparem com manifestações racistas em obras que serão distribuídas nas escolas e devem ser lidas por crianças e jovens.

Criança e leitura

Outro desvio recorrente é a desconsideração da especificidade do leitor infantil. Sabemos que o valor de uma obra literária está diretamente ligado à sua abertura e às possibilidades de leitura que ela oferece. Por carregar variadas significações, o texto legitimamente leva seus leitores a diferentes conclusões. É no momento da leitura que se atribui o seu sentido, quando o leitor interage com ele e o interpreta. E nessa relação são determinantes as referências, as vivências e a capacidade de cada indivíduo.

Com pouca experiência de vida e de leitura, a criança lê uma obra literária de maneira muito diferente de um adulto. Como ainda está se desenvolvendo e descobrindo como funciona o ato de ler, ela certamente chegará a interpretações muito particulares e individuais. Por isso as mediações são importantes. Não para dirigir o leitor iniciante, impondo-lhe significados ou um papel passivo, mas para ajudá-lo a se situar melhor diante de referências ou contextos que ele ainda ignora.

Não há como saber ao certo o que um texto com passagens racistas pode causar no público infantil. Mas tampouco é possível considerar satisfatória a alegação de que nenhum menino ou menina se torna racista porque lê Lobato. Este argumento representa mais um desvirtuamento na discussão, pois se inscreve perfeitamente no tipo “suave” de racismo brasileiro. Ou seja, a criança não passa a odiar os negros, mas continua a ver como natural o fato de eles estarem situação de humilhação ou inferioridade. É assim que os estereótipos racistas seguem se perpetuando, sutilmente, sem alarde.

Ademais, é fundamental levar em conta a criança negra, meio esquecida nesta conversa. Imaginemos um aluno negro lendo um livro em que a única personagem de sua cor é o tempo todo ridicularizada e chamada de “macaca” ou “negra beiçuda”. Como ele lida com isso? Não é possível que as outras crianças, mesmo por brincadeira, o associem à personagem e achem natural dar-lhe o mesmo tratamento? Numa época em que tanto se fala de bullying, é no mínimo estranho não imaginar que leituras em que aparecem manifestações racistas possam incentivar essa prática. Alguns estudos atestam que, além de interferir no rendimento, o racismo tem grande responsabilidade pela evasão escolar de crianças negras.

Sem censura

Criado em 1977, o PNBE (Programa Nacional Biblioteca da Escola) vem se aperfeiçoando ao longo dos anos, e sua relevância é amplamente reconhecida, sobretudo na área da educação. Já há algum tempo, os editais desse programa apontam como um dos critérios de seleção das obras “a ausência de preconceitos, estereótipos ou doutrinações”, e até então não se viam objeções. Na verdade, parece difícil ser contrário a esse critério, pois se é dever do estado combater seriamente o racismo, é muito natural (e louvável) que o Ministério da Educação se preocupe em evitar a livre distribuição de livros com teor discriminatório a crianças e jovens ainda em formação.

Fala-se em censura, mas definitivamente não é disso que se trata — se fosse, mereceria completo repúdio. A recomendação de contextualização, feita pelo MEC, não significa restrição ou condenação da obra, mas uma tentativa de interromper a vazão de manifestações racistas — inclusive as sutis — e a perpetuação dos estereótipos. Lobato não será banido das bibliotecas escolares, e nem deve. Mas é melhor que os seus leitores infantis tenham alguma indicação de que não é natural o negro ser humilhado, ainda que seja “de leve” ou “só de brincadeira”. Não é demais repetir: estamos falando de crianças e de educação, não de leitores adultos capazes de fazer relações e compreender o contexto social e histórico das narrativas.

Também não faz sentido acusar o que tem sido chamado de “ditadura do politicamente correto”, outra distorção que encontra ampla aceitação no âmbito do “racismo sutil” brasileiro. Fechar os olhos para atitudes discriminatórias sob o pretexto precário de não se submeter a tal “ditadura” será sempre uma maneira de realimentar a discriminação. Como observa o filósofo Vladimir Safatle, “por trás da defesa de tal modalidade de ‘livre expressão’ há o desejo mal escondido de continuar repetindo os mesmos velhos preconceitos e a mesma violência contra os grupos vulneráveis de sempre”.12Vladimir Safatle, “Correto demais”, novembro/2012

Em um artigo bastante sensato, o escritor Alberto Mussa faz um alerta que merece consideração: a literatura não é sagrada, como muita gente parece acreditar.13Cf. Alberto Mussa, “Me convençam”, Rascunho, dezembro/2010 As pessoas, em particular as crianças, são mais importantes que a literatura! Por isso o racismo precisa ser apontado e a paixão deve ceder espaço à razão neste debate. Que a polêmica entre nas salas de aulas e os educadores, juntos com os alunos, avancem numa reflexão crítica que colabore efetivamente para o combate da discriminação racial no Brasil. Sem vetos a Lobato, mas sobretudo sem alimentar preconceitos.


Imagem: Ilustração de Manoel Victor Filho, 1981 [imagem gentilmente cedida pela Biblioteca Monteiro Lobato].


Referências bibliográficas

Alberto Mussa. “Me convençam”. Rascunho, dezembro/2010.

Alfredo Bosi. “Monteiro Lobato”. Em: História concisa da literatura brasileira. São Paulo: Cultrix, 2001, p. 215-217.

Ana Maria Gonçalves. “Não é sobre você que devemos falar”.

__________. “Carta Aberta ao Ziraldo”. Fevereiro/2011. Disponível em:

__________. “Políticas educacionais e racismo: Monteiro Lobato e o PNBE”. Setembro/2012. Disponível em: revistaforum.com.br/idelberavelar/2012/09/10/politicas-educacionais-e-racismo-monteiro-lobato-e-o-plano-nacional-biblioteca-da-escola-por-ana-maria-goncalves/.

André Nigri. “Monteiro Lobato e o racismo”. Bravo!, ed. 165, maio de 2011.

Arnaldo Bloch. “Com a palavra, Monteiro Lobato (sente antes de ler)”. Março/2011.

Edson Lopes Cardoso. “A propósito de Caçadas de Pedrinho”. Novembro/2010.

Marisa Lajolo. “A figura do negro em Monteiro Lobato”. Unicamp/IEL, 1998. Disponível em: lfilipe.tripod.com/lobato.htm.

__________. “Preconceito e intolerância em Caçadas de Pedrinho”. Setembro/2011.

Márcia Leite. “Sobre a ‘torneirinha de asneiras’ e outras polêmicas de Emília na literatura de Lobato”. Outubro/2012.

Monteiro Lobato. Caçadas de Pedrinho. São Paulo: Globo, 2012.

__________. Reinações de Narizinho. São Paulo: Globo, 2012.

__________. “Paranoia ou mistificação”. O Estado de S. Paulo, 20/12/1917. Disponível em: www.mac.usp.br/mac/templates/projetos/educativo/paranoia.html.

Sérgio Milliet. “Um sentimental apaixonado”. Ciência & Trópico, nº 9, maio/2011.

__________. “Jeca Tatu é uma vingança”. Ciência & Trópico, nº 9, maio/2011.

Regina Zilberman. “Monteiro Lobato e suas fases”. Em: Estudos de literatura brasileira contemporânea (dossiê: literatura infantojuvenil), Brasília, nº 36, julho/dezembro de 2010, p. 141-152.

Silviano Santiago. “Monteiro Lobato hoje: ponto e vírgula”. Em: Ora (direis) puxar conversa. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2006, p. 267-280.

Vladimir Safatle. “Correto demais”. Novembro/2012.

Notas

  • 1
    Alfredo Bosi, “Monteiro Lobato”, em História concisa da literatura brasileira, São Paulo: Cultrix, 2001, p. 216.
  • 2
    “Paranóia ou mistificação”, O Estado de S. Paulo, 20/12/1917.
  • 3
    Alfredo Bosi, op. cit.
  • 4
    Op. cit., p.217.
  • 5
    Sergio Milliet, “Um sentimental apaixonado”, Ciência & Trópico, nº 9, maio/2011
  • 6
    Citado por Regina Zilberman em “Monteiro Lobato e suas fases”, Estudos de literatura brasileira contemporânea (dossiê: literatura infantojuvenil), Brasília, nº 36, julho/dezembro de 2010, p. 146.
  • 7
    Citado por André Nigri em “Monteiro Lobato e o racismo”, Bravo!, ed. 165, maio de 2011.
  • 8
    As cartas citadas no presente artigo aparecem em “Monteiro Lobato e o racismo”, de André Nigri (já mencionado), e “Com a palavra, Monteiro Lobato (sente antes de ler)”, de Arnaldo Bloch.
  • 9
    Cf. Marisa Lajolo, “A figura do negro em Monteiro Lobato”, e Edson Lopes Cardoso, “A propósito de Caçadas de Pedrinho”.
  • 10
    Monteiro Lobato, Reinações de Narizinho, São Paulo: Globo, 2012, p. 221.
  • 11
    Ana Maria Gonçalves, “Políticas educacionais e racismo: Monteiro Lobato e o PNBE”,
  • 12
    Vladimir Safatle, “Correto demais”, novembro/2012
  • 13
    Cf. Alberto Mussa, “Me convençam”, Rascunho, dezembro/2010

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  • Adilson Miguel

    Formado em filosofia, trabalha na área editorial há vários anos. Foi editor e gerente editorial na Editora Scipione (Abril Educação) e de Edições SM. Organizou, entre outras, as coletâneas Traçados diversos: uma antologia de poesia contemporânea, Grafias urbanas: antologia de contos contemporâneos e Histórias de carnaval.

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