Migrar

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Autor: José Manuel Mateo
Ilustrador: Javier Martínez
Editora: Pallas

1º lugar do prêmio New Horizons – Feira de Bolonha 20121O Prêmio New Horizons é concedido, anualmente, pela Feira de Bolona a um livro de algum pais latino-americano, africano ou asiático. Este prêmio visa destacar alguma obra que de acordo com o entendimento do júri traga grande inovação editorial. Este é o segundo prêmio New Horizons da editora Tecolote (o primeiro foi O livro negro das cores, editado no Brasil pela editora Pallas).

Brincando entre galos e porcos numa vila sem currais ou cercas, entre as montanhas e o mar, Javier Martinez Pedro ilustrou uma criança que teve de migrar para a América como muitos outros mexicanos para quem a única solução é sair do seu pais. Na sua terra, a criança brincava de se esconder atrás das palmeiras, ajudava seu pai a carregar melancias, a terra era dele mesmo que não fosse, o sol e a felicidade estavam ali. Ao passar para o outro lado descobre a chamada modernidade e a discriminação na rua, no campo e nas grandes lojas de departamentos.

Ser criança é sonhar, rir, estudar, correr, brincar, comer, dormir quentinho, bem, isso é o ideal, mas existem duas realidades muito diferentes, à das crianças que vivem com um pai e uma mãe que tem um emprego seguro e à das crianças que trabalham, porque a família não ganha o suficiente. Quando o pai é demitido ou a terra já não dá mais, o pai sai em busca de fortuna nos Estados Unidos e em muitos casos, as crianças também vão. Às vezes, até viajam sozinhas atrás do pai (e agora até da mãe). Pois, afinal, o que aconteceu com ele? Por que não manda mais dinheiro? Por que ninguém sabe mais nada sobre ele? Será que ele está vivo? Talvez, as crianças também vão embora porque perseguem um sonho que não lhes pertence a ficam esperando, a mesma espera-esperança de que o pai (ou a mãe) retorne.

Hoje conseguimos, mas amanhã quem sabe.

A incerteza sempre dá medo, a mudança e o novo assustam. O que será que pensam as crianças quando o seu mundo muda tão rápido, de forma tão dura, tão tosca como o trem chamado A Besta que eles têm que abordar em movimento? “Cuidado, corre, corre, se segura onde der, la migra tá vindo, sobe, não, não olhe para trás, a locomotiva é um monstro, os vagões passam rápido, dá a mão, ajuda o seu irmão!”

O que significa subir num trem às escondidas? Por que é preciso deixar a terra e passar para o outro lado? Algumas crianças que não sabem sequer ler vão embora sozinhas, com um endereço apenas, um telefone impossível de completar ou um endereço que não corresponde a nada e nem a ninguém. Viajam iludidos para um país onde tudo os marginaliza. A única coisa que sabem e que devem se esconder. Onde eles chegam? Como vivem? Onde se perdem? Será que a virgem de Guadalupe os protegerá? Muitos deles ficam no caminho com algo mais que seus sonhos mutilados.

A cada seis meses são repatriados 20 mil meninos mexicanos. Antes migrar era coisa de homens, agora até as meninas e a palavra estupro rima com a palavra mulher. Todos, estamos expostos na vida, mas o desamparo das crianças é absoluto.

No momento em que os pequenos migrantes correm para subir no vagão, eles deixam sua infância para trás. Correr deixa de ser uma brincadeira e provavelmente nunca mais votará a ser. Nenhuma criança migrante brincará mais de correr, ou de se esconder atrás das palmeiras, nada mais será uma brincadeira, tudo que a criança fizer será para não morrer. Como explicar para um menino que se lhe disserem “corra” é para salvar sua vida? Como explicar que se lhe disserem: “Entra, se esconde, que ninguém te veja, fica calado” não é uma brincadeira, mas apenas um meio de sobreviver? E não é uma infâmia pedir a uma criança que faça as coisas para não morrer?

Migrar detalhe interno

Não dá para pedir para ninguém que faça algo para não morrer, muito menos para uma criança.
A vida de criança nenhuma deveria correr perigo.

Usar de violência contra uma criança é o mesmo que matá-la.

Cinquenta e um milhões de mexicanos vivem com menos de dois dólares por dia, 20 milhões de mexicanos vivem com menos de um dólar por dia. A única solução é ir embora. Deixar sua terra, as palmeiras, deixar sua vila, sair o México.

O movimento migratório não se limita aos mexicanos, os centro americanos também passam pelo nosso país onde seu destino é pior do que na fronteira dos EUA. Eles viajam desde as zonas de extrema pobreza da Guatemala, El Salvador, Honduras, Nicarágua e Equador, e fazem parte de Os condenados da Terra (como Franz Fanon os chamou). Os migrantes correm riscos que jamais imaginaram, ficam à mercê da maldade dos intermediários, da falta de água e da morte no deserto.

Também para aqueles que ficam, a ruptura quebra suas vidas. A mãe se sente só, a autoridade paterna se dilui. “Você vai ver agora quando seu pai souber que você desobedeceu!” Ninguém mais acredita na sua volta. O pai foi embora, a mãe ficou cuidando dos filhos que sofrem a ausência até que ela resolve também ir atrás do mesmo sonho que separou a família.

As crianças migrantes conhecem profundamente o medo, tão profundamente que um belo dia, ao amanhecer, eles percebem que tudo o que lhes deu segurança desapareceu.

Até que ponto é mesmo seguro viver no México, onde, desde 2006, o número de mortes por execuções ou “ajustes” ultrapassa as 40 mil? Nestes últimos anos, muitos foram embora por insegurança, para realizar o desejo de que seus filhos possam sair na rua sem medo de que algo possa acontecer, sem o temor de que alguém da sua família desapareça da noite para o dia.

“Que bom que você não levou um tiro!”

Será que a população quer a guerra? É injusto que tenha que abandonar sua terra por não poder mais viver nela. É injusto que as crianças deixam de ser crianças. Afinal, o tema principal da Agenda Global não é a Infância? Hoje no México, lamentamos os meninos de rua, que não estudam nem trabalham (há 400 mil), mas que mundo lhes oferecemos?

Embora o pintor José Manuel Mateo, o segundo autor do livro Migrar, publicado pela editora Tecolote, não tenha sofrido a experiência de migração, ele conhece bem os apelos da terra e o que significa perdê-la. Migrar é um livro que se desdobra como um códice ou uma tela pintada em papel amate2Papel Amate é um tipo de papel que era fabricado na Mesoamérica no período precolombiano, primeiro milênio a.c. O termo vem do náuatle – āmatl que os espanhóis transformaram em amate. O processo de fabricação era através do cozimento da parte interna da casca de algumas árvores, o material fibroso era depois moído com uma pedra dando origem a um papel de cor castanha.. Antes, o papel amate guardava as ervas da terra e quando os escribas pintavam nele, o papel retinha as cores naturais, o ar do campo e da montanha, a agua e principalmente as pegadas de nossos antepassados. Agora conserva o sofrimento, os medos, a insegurança dos que se foram.

Migrar completo aberto

Como o papel amate somos fibra, cascas de arvore, flores esmagadas como ele, também cozidas em água de cal. Migrar essa história de crianças é o códice, a árvore da vida dos migrantes, a história de sua vida, a constância de sua jornada terrível, a descoberta do rio de borracha encontrado do outro lado, em vez do rio de terra. No México, de acordo com o livro Migrar e a memória de seus dois autores, a natureza era generosa, as palmeiras cresciam, os pescadores em seu pequeno barco sorriam, os cavalos relinchavam ao lado das ovelhas. Se era assim, por que eles foram embora? Por que Los Angeles é a cidade onde a maioria das pessoas fala espanhol, depois do México?

Guardar a memória é fazer história e este belo livro, é a história das quase 50 mil crianças mexicanas que atravessam a fronteira e falam a nossa consciência.3Este texto foi originalmente publicado no La Jornada, em dezembro de 2011, e traduzido com a autorização da editora Tecolote.

Migrar Mateo
O ilustrador Javier Martínez e sua obra, ainda inacabada

Tradução Dolores Prades

Nota

  • 1
    O Prêmio New Horizons é concedido, anualmente, pela Feira de Bolona a um livro de algum pais latino-americano, africano ou asiático. Este prêmio visa destacar alguma obra que de acordo com o entendimento do júri traga grande inovação editorial. Este é o segundo prêmio New Horizons da editora Tecolote (o primeiro foi O livro negro das cores, editado no Brasil pela editora Pallas).
  • 2
    Papel Amate é um tipo de papel que era fabricado na Mesoamérica no período precolombiano, primeiro milênio a.c. O termo vem do náuatle – āmatl que os espanhóis transformaram em amate. O processo de fabricação era através do cozimento da parte interna da casca de algumas árvores, o material fibroso era depois moído com uma pedra dando origem a um papel de cor castanha.
  • 3
    Este texto foi originalmente publicado no La Jornada, em dezembro de 2011, e traduzido com a autorização da editora Tecolote.

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  • Elena Poniatowska

    Nasceu em Paris em 1932, é uma escritora, activista e jornalista mexicana cuja obra literária tem sido distinguida com numerosos prêmios, entre eles o Prêmio Cervantes 2013.

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