Para viver mais, escreva para crianças

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Em homenagem a um dos maiores corações
e uma das mentes mais brilhantes da literatura infantil.

Mr Rabbit and the Lovely Present

Ilustracão de Maurice Sendak para O livro de Charlotte Zolotow Mr Rabbit and the Lovely Present (1962)

Para os admiradores dos livros para crianças, morre um pedacinho da alma a cada vez que um autor ou artista querido nos deixa. Ajuda um pouco saber que a grande Charlotte Zolotow (26/06/1915 – 19/11/2013) viveu até os 98 anos. (Em um paralelo mais ou menos sério: Parece que escrever para crianças carrega uma promessa particular de longevidade, com muitos autores e ilustradores superando em anos, às vezes décadas, a expectativa de vida da sua terra natal – Maurice Sendak viveu até os 84 anos, E. B. White, 86, Ruth Krauss, 92, Alice Provensen supostamente continua desenhando bem em seus noventa, e Eric Carle acaba de lançar o seu livro mais recente aos 84. Deve haver algo especialmente nutritivo para a alma no afeto e na bondade que a escrita para crianças ao mesmo tempo requer e estimula.)

Dear GeniusEmbora ela seja autora e editora de mais de setenta livros, Zolotow permanece mais conhecida por Mr. Rabbit and the Lovely Present, publicado em 1962 e ilustrado por ninguém menos que Sendak. Mas a relação mais influente da sua carreira foi com a grande Ursula Nordstrom, fada madrinha da moderna literatura infantil, que conduziu a parceria de Zolotow com Sendak e com quem Zolotow trabalhou em estreita colaboração durante muitos anos

Do totalmente fantástico Dear Genius: The Letters of Ursula Nordstrom (esgotado), de Leonard Marcus – que também nos deu a espirituosa, sensata e premonitória carta de 1953 sobre a situação do ambiente editorial e a história infinitamente comovente de como ela cultivou a genialidade do jovem Sendak – vem o maravilhoso registro da relação – formadora de Zolotow com Nordstrom.

Mr Rabbit and the Lovely Present 2
Ilustracão de Maurice Sendak para O livro de Charlotte Zolotow Mr Rabbit and the Lovely Present (1962)

Em agosto de 1961, quando Mr. Rabbit and the Lovely Present estava tomando forma, Nordstrom certificou Sendak do comprometimento de Zolotow com o projeto:

“Ela está tão feliz que você está ilustrando o livro, assim como nós estamos, que nada pode ofuscar nosso prazer.”

Alguns meses depois, em 30 de outubro, ela própria enviou uma carta tocante para Zolotow:

“Querida Charlotte,
Os desenhos de Sendak para o seu livro (sem título) são tão adoráveis! Absolutamente diferentes de tudo o que ele já fez – com uma qualidade clássica, atemporal: Você ficará feliz, eu sei. A garotinha é adorável, e o coelho engraçado, uma boa combinação, penso eu.”

Após agradecer Zolotow pela recomendação de uma peça que Nordstrom acabara de assistir e adorar e por suas generosas palavras sobre o único livro infantil que já escrevera, The Secret Language, ela demonstrou calorosa reciprocidade:

“Eu nunca poderei expressar o quanto sou grata a você, querida amiga e autora. Eu nunca vi ninguém – bem, certamente nenhum AUTOR – ser tão bom e generoso como você tem sido.”

A colaboração de longa data e a amizade duradoura entre as duas começou quando Zolotow tornou-se assistente editorial de Nordstrom na Harper & Row – uma posição que, sob a influência da imensa generosidade de espírito e valentia criativa de Nordstrom, sem dúvida ajudou Zolotow a cultivar a sua própria. Na verdade, ela logo se tornou o braço-direito de Nordstrom e foi inclusive quem trouxe o clássico de Louise Fitzhugh, Harriet a espiã (Harriet the Spy), extremamente popular em 1964, celebrado até hoje pelas mulheres homossexuais pelo uso pioneiro de uma protagonista aparentemente gay

Harriet desenhos
Harriet the spy

Harriet The Spy de Louise Fitzbugh (1964)

Em uma entrevista de 2009, Zolotow falou da interação entre ser uma escritora e ser uma editora:

“Ser tanto escritora como editora afeta diferentes expressões da mesma personalidade. Escritores devem expulsar a todos enquanto eles escrevem. Eles devem esquecer sugestões do lado de fora ou a tentação de seguir sugestões desconectadas das suas próprias visões.
Editores devem resistir ao desejo de inserir sua própria ideia sobre como e para onde a história deve ir. Eles devem resistir à tentação de oferecer suas próprias palavras como solução quando algo está fraco; em vez disso, eles devem alertar o escritor sobre essa fraqueza, de modo que, se ele concordar, poderá resolver o problema com suas próprias palavras e à sua maneira.”

Quando Nordstrom estava pronta para deixar a Harper, ela legou o seu departamento para Zolotow. Em uma carta de 1980 a outra de suas autoras, Mary Stolz, Nordstrom escreveu:

“Eu contei a Charlotte Zolotow alguns meses atrás que eu queria deixar o meu trabalho na Harper e não ser mais uma editora. Há um lado bom, sempre houve, não trabalhar mais com autores, lidar com contratos, se preocupar com a falta de críticas, ou quando elas são negativas, para os “meus” autores. Charlotte, como chefe do departamento, é uma pessoa criativa, sensível e brilhante. Ela verá que o seu trabalho merece o bom atendimento que eu acho que você sempre teve do dpto.”

William’s Doll
lustração de William Pène du Bois para William’s Doll (1972)

lustração de William Pène du Bois para William’s Doll (1972).

E ela zelou por isso – Zolotow prosseguiu dando vida a dezenas de livros para jovens leitores, desde o seu primeiro, The Park Book, publicado em 1944 e ilustrado por H.A. Ray, passando por preciosidades como William’s Doll (1972), ilustrado por William Pène du Bois, e I Know a Lady (1984), ilustrado por James Stevenson, até seu último livro, The Beautiful Christmas Tree, publicado em 1999 e ilustrado pelo inimitável Yan Nascimbene, a quem também perdemos este ano.

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Ilustracão de Maurice Sendak para O livro de Charlotte Zolotow Mr Rabbit and the Lovely Present (1962)

Obrigada por tantos presentes adoráveis, Charlotte.1Texto originalmente publicado no site Brain Pickings.

Tradução Carolina Pezzoni

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  • Maria Popova

    Maria Popova é a fundadora e editora de Brain Pickings, um blog de interesse interdisciplinar que abrange arte, ciência, design, história, filosofia, psicologia e muito mais. Ela escreveu para Wired UK, The Atlantic, Nieman Journalism Lab, New York Times, revista Smithsonian e Design Observer, entre outros, e é bolsista do MIT. Para acompanhar seu trabalho acesse https://www.brainpickings.org/.

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