Peter Sís

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Peter Sís (Brno, 1949) pertence a uma categoria de artistas – artistas em sua totalidade – que leva muito a sério seu trabalho e que, as suas qualidades artísticas indiscutíveis, une-se um peculiar caráter, entre cujas virtudes se encontra a busca da perfeição. Além de ilustrador, Sís escreve, faz cinema, e em cada projeto investe todo seu potencial criativo para obter justamente aquilo que deseja, não importa se não é comercial ou está fora de moda. Talvez isto venha de sua infância, que transcorreu em seu país natal – Checoslováquia –, e de seus pais, pintora e cineasta, com os quais viveu a boemia desses anos de experimentação artística e ebulição cultural. “Foi graças a meus pais que eu pude ter entre as mãos, desde minha mais tenra idade, um papel e um lápis”* indica o próprio Sís.

Entre histórias de seu avô – que usava desenhos para explicar a Grande Guerra entre o império austro-húngaro e a Rússia – e as de seu pai, que relatam suas longas e apaixonadas viagens ao Tibete, ao Bornéu ou a França, o jovem Sís logo aprendeu que “se havia lugares aonde não podia viajar, pelo menos podia desenhá-los”. Não é estranho, pois, que muito cedo entrasse para estudar na Academia de Artes Aplicadas de Praga e combinasse a criação de desenhos com o cinema. Em 1975 realiza seu primeiro curta-metragem e um ano mais tarde é publicado o primeiro livro ilustrado por ele: uma coletânea de contos dos irmãos Grimm.

Em 1977 se muda para Londres onde faz cursos no Royal College of Art, junto com Quentin Blake. A combinação de cinema e ilustração o leva a trabalhar em Praga, em diversos projetos e a viajar, em 1982, a Los Angeles para participar de um Festival de Cinema de Animação. Nesse ano decide permanecer nos Estados Unidos e tentar a sorte. “Depois de ter passado algum tempo em Hollywood, me dei conta de que não me dariam dinheiro para fazer o tipo de cinema de animação que desejava fazer”. Este é o motivo por que fez seu primeiro livro ilustrado Rainbow Rino (1987), com o qual sonhou ser tão popular, que os produtores lhe suplicariam transformá-lo em cinema de animação.

Box of dreams
Box of Dreams – No. 8 (fish on the school blackboard)

Estas ilusões de um jovem emigrante, proveniente de um país do leste, se chocariam rapidamente com a realidade. Pouco a pouco, ilustrando outros livros para crianças e também criando seus próprios livros, Sís chegou à conclusão de que entre um curta-metragem e um livro não havia tanta diferença: “o livro estava formado, também, de sequências que era preciso montar para chegar a uma conclusão”. Isto, e o nascimento de seus dois filhos, o encaminharam – para sorte de todos – à criação de livros ilustrados para crianças.

Sua principal fonte de renda foi, desde sua chegada aos Estados Unidos, fazer ilustração para os jornais. Graças a um conselho de Maurice Sendak, a quem havia enviado algumas amostras, deixou a costa oeste para instalar-se em Nova York e começar a ilustrar para o New York Times.

Drawing

Drawing, New York Times Book Review, 1991

Seu fino e exigente trabalho, seu rico imaginário e a meticulosidade com que aborda os textos que deve ilustrar lhe tornaram merecedor de um prestígio que poucos ilustradores contemporâneos têm na atualidade. Observando suas ilustrações para a imprensa e as que realiza em seus álbuns, o mundo de Sís aparece em sua totalidade: o gosto por preencher o espaço de que dispõe, a riqueza nos detalhes, o uso do pontilhismo para sombrear e confundir as fronteiras entre o real e o imaginário, a superposição de imagens.

Follow the dream - capa The three golden keys - capa

Quem lê The Three Golden Keys (1994) ou Follow the Dream. The Story of Christopher Columbus (1991) não pode deixar de admirar as belas imagens que se alimentam do imaginário artístico europeu, com cenas que parecem tomadas de antigos livros de viajantes ou tiradas de um museu. O emprego da cor, que Sís utiliza intencionalmente como um elemento narrativo a mais, enriquece um trabalho em si mesmo cuidado e vocacional.

Tibet miolo

Os álbuns criados por Sís nascem de um desejo de expressar o excepcional sem esquecer sua origem europeia – o que lhe é criticado nos Estados Unidos. Por isso, não é estranho que tenha dedicado um álbum a homenagear seu pai (Tibet), ou o dedicado ao cientista Galileu, [O Mensageiro das estrelas: Galileu Galilei, Editora Atica, fora de catálogo]). Neles expressa sua admiração pelas pessoas extraordinárias, aquelas que não se conformaram com o que tinham ao seu redor e buscaram sua própria verdade. Suas influências artísticas estão muito presentes: Tmka, Delessert, os criadores de The Yelow Submarine, Edward Gorey e as pinturas da Idade Média, o que produz uma mistura delirante de luz e sombra, movimento e quietude, negro e cor que não deixam o leitor indiferente.

Madlenka miolo

Peter Sís, com cada novo livro, parece aproximar-se mais do mundo das crianças, sem abandonar seu imaginário pessoal. Em sua última criação, Madlenka (2000) narra a descoberta de uma menina nova-iorquina – sua filha – da variedade multicultural que se mostra em cada esquina, atrás do comerciante local que vende seus produtos de origem. De novo Sís aborda a confluência de culturas, o exílio, a viagem e a excitante diversidade. O livro foi pensado em sua totalidade, e pode – e deve – ser lido movendo-se as páginas e dando voltas para poder ver e “sentir” a volta no quarteirão dada por Madlenka. Quando volta a sua casa e os pais lhe perguntam, ela responde: “Dei a volta ao mundo!”.

Madlenka miolo

O livro informativo de Peter Sís – O Mensageiro das estrelas: Galileu Galilei

Nesta ocasião Sís escolhe um tema, o da viagem, mas não a viagem física e sim a intelectual. A viagem de Galileu pelo desconhecido mundo que seu cérebro lhe oferece é também uma reivindicação da dúvida e do inconformismo, temas muito presentes na obra deste artista. Como todos os bons livros, este tem vários níveis de leitura e também vários objetivos, que se cumprem segundo o grau de interesse ou de conhecimento do leitor.

O mensageiro das estrelas capa

Em primeiro lugar, encontramos a história “escrita de maneira simples com uma tipografia ordenada” da vida de Galileu. É uma história para os primeiros leitores, delimitada claramente por um corpo de letra grande e por uma disposição equilibrada, que permite a leitura continuada e está muito bem escrita. Depois de sua leitura os leitores terão uma ideia precisa de quem era Galileu e porque deve ser recordado pela história. Se este fosse o único propósito de Sís, estaríamos muito satisfeitos, mas ele foi mais longe, muito mais. Experimentou com todos os recursos ao seu alcance para criar um verdadeiro livro documental: além desta história, incluiu fontes primárias (diários de Galileu e documentos da época) e teve o cuidado de separá-las – com tipografia e um espaço diferente – da história relatada. Com a inclusão do diário, não nos resta nenhuma dúvida da veracidade da informação, e, como se tudo isto fosse pouco, o texto oferece ideias como a existência de uma metodologia científica e mostra o mundo – ajudado pela ilustração – tal como era antes de Galileu e durante sua época.

É necessário falar do trabalho delicado das ilustrações, inspirado de maneira preciosista nas imagens medievais. Nelas o autor incorporou seus elementos fantásticos, que às vezes aparecem como decorações sem importância, mas que revelam um fino trabalho. O pontilhismo e o gosto pela acumulação ocupam de maneira insistente o espaço, e produzem, no olhar do leitor, uma sugestiva busca entre formas e fundos.

Galileu Galilei

Por último, é inevitável falar da escolha que o artista fez por contar a história deste cientista. É um canto a curiosidade, a insatisfação e a fé em si mesmo. “O problema, no mundo atual, é que as pessoas já não sonham, já não creem, já não imaginam. (…) Creio que o ser humano possui outra dimensão: não sabemos nada e ainda necessitamos, enormemente, descobrir”. Com livros como este, a descoberta é uma aventura excitante que não deixará nenhum menino ou menina indiferente.1Texto publicado originalmente na revista Educación y Biblioteca, nº 121, 2001.

Obras do autor publicadas no Brasil:

O muro. São Paulo: Companhia das Letrinhas, 2012.

O mensageiro das estrelas. São Paulo: Ática, 1996. Fora de catálogo

A árvore da vida. São Paulo: Ática, 2005. Fora de catálogo.

Nota

  • 1
    Texto publicado originalmente na revista Educación y Biblioteca, nº 121, 2001.

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  • Ana Garralón

    Ana Garralón trabalha com livros infantis desde finais dos anos 80. Colaborou como leitora crítica para muitas editoras, realizou oficinas sobre formação e incentivo à leitura e livros informativos em importantes instituições. Escreve regularmente na imprensa. Publicou Historia portátil de la literatura infantil, a antologia de poesia Si ves un monte de espumas e 150 libros infantiles para leer y releer (CEGAL, Club Kirico, 2012 e mais recentemente Ler e saber: os livros informativos para crianças (Pulo do Gato, 2015). É membro da Rece de Apoio Emília. É autora do blog http://anatarambana.blogspot.com.br/.

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