Um gênero em questão?

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Dando continuidade ao tema da última coluna “Literatura juvenil ou leitura juvenil?”, vou apresentar algumas reflexões feitas durante o I Congresso internacional do Grupo de Pesquisa “Leitura e literatura na escola: Juventude e letramento literário” realizado na UNESP de Assis entre os dias 19 a 21 de setembro.

Dentre a variedade temática discutida, o segundo dia foi dedicado exclusivamente a uma reflexão sobre a literatura juvenil, sua natureza, identidade e o desenvolvimento atual do gênero. Várias foram as conclusões dos debates entre especialistas de diversas áreas, autores e editores. Porém, o consenso girou em torno do título da primeira mesa redonda do dia, “Literatura juvenil: um gênero em questão?”. Todas as intervenções, independente do ponto de vista e da área, foram no sentido de responder afirmativamente à pergunta, dando margem a novas indagações e poucas certezas.

Afinal, o que se entende por literatura juvenil, literatura infantojuvenil, literatura para jovens? Esses conceitos dão conta do que eles procuram identificar? O que está por trás de cada um deles? É possível juntar sob um mesmo guarda-chuva essa produção extensa e dirigida a uma faixa tão diversa de receptores? Qual a natureza dessa produção voltada para esse público “juvenil”? Quem é de fato o receptor? De que jovem estamos falando? A que jovem estamos nos referindo? Como e onde se originou esse gênero? Essas e muitas outras perguntas deram o tom dos debates.

Não há consenso, nem certezas em torno do que seja a chamada literatura juvenil e muito menos o que se entende por “infantojuvenil”. Um dos principais e mais consensuais questionamentos foi precisamente quem é esse jovem, onde começa e termina a tal juventude? Afinal, em algumas áreas, como por exemplo a da psicologia, o jovem atualmente se define no amplo espectro que vai dos 14 aos 34 anos! Depois do primeiro susto frente a essa afirmação, é possível entendê-la enquadrando-a não apenas no bojo da glorificação da juventude – própria da contemporaneidade –, como dentro de uma educação pautada na super-proteção e na falta de autonomia disso resultante. Isso, apenas para ilustrar a enorme dificuldade que pressupõe uma generalização do que seja juvenil.

Com limites muito menos definidos que os da infância, por exemplo, é enorme a diversidade de fatores que caracterizam o ser jovem hoje. Não são apenas determinantes econômicos, como também os sociais e culturais que compõem a complexidade deste amplo segmento. Daí, a dificuldade de identificar o receptor a quem se dirige a grande parte da literatura juvenil produzida. A definição desse receptor, no que se refere à literatura juvenil, é determinado pela escola, pelas suas necessidades, pelos seus limites.

Nesse sentido, é o peso da escola que revela quem define o receptor último dessa produção dirigida ao jovem, mas cujo receptor final é o mediador (professores, pais). Essa origem estreitamente ligada às exigências escolares não apenas define o receptor, como é responsável pela diversidade de produtos que hoje se constituem na maior parte da produção que compõem a LIJ: livros sob encomenda sobre temas de interesse da escola, com foco nos temas transversais e facilitadores de conteúdos a serem trabalhados na escola; adaptações de clássicos; os famosos “paradidáticos”; livros de conhecimento disfarçados de literatura etc.

Essa amplitude de fronteiras somada à impossibilidade de homogeneização do que seja o jovem, confusão de destinatários, o caráter instrumental e facilitador que caracteriza grande parte dessa produção foram questões apontadas como alguns dos principais impasses que afetam a literatura juvenil atual. Interessante ressaltar a identificação, praticamente unânime, do mercado (onde a escola naturalmente se insere) como grande responsável pela forma como a literatura juvenil se constitui e desenvolve. E nada contra o mercado. Afinal, todos somos testemunhas de vários fenômenos que, desde o primeiro título da saga de Harry Potter, fisgaram e seduziram jovens leitores, há muito tempo sem uma identificação tão forte com um produto dirigido a eles. Os jovens lêem, e lêem muito, disso não resta dúvida.

Esta constatação levou a outro consenso: a existência de uma vasta produção de boa qualidade endereçada a esses jovens leitores. A marca de tais obras? O foco no receptor e não no mediador e, para tanto, a ausência de concessões e a opção pelo texto literário, pela boa literatura; a cumplicidade com esses leitores por meio da criação de universos narrativos envolventes, que falam diretamente com eles, ávidos de conhecimento e de experimentações. Conhecer o mundo, compreendê-lo, favorecer o conhecimento do outro e de si mesmo são questões que explicam a sobrevivência, ao longo do tempo, de muitos clássicos.

Não faltam livros de qualidade. Falta sim torná-los conhecidos, criar mecanismos para difundir critérios de seleção mais sofisticados e embasados, de modo a que os mediadores deixem de ser reféns de critérios não literários.


Imagem: Ilustração de Diego Bianki.


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  • Dolores Prades

    Fundadora, diretora e publisher da Emília. Doutora em História Econômica pela USP e especialista em literatura infantil e juvenil pela Universidade Autônoma de Barcelona; diretora do Instituto Emília e do Laboratório Emília de Formação. Foi curadora e coordenadora dos seminários Conversas ao Pé da Página (2011 a 2015); coordenadora no Brasil da Cátedra Latinoamericana y Caribeña de Lectura y Escritura; professora convidada do Máster da Universidade Autônoma de Barcelona; curadora da FLUPP Parque (2014 e 2105). Membro do júri do Prêmio Hans Christian Andersen 2016, do Bologna Children Award 2016 e do Chen Bochui Children’s Literature Award, 2019. É consultora da Feira de Bolonha para a América Latina desde 2018 e atua na área de consultoria editorial e de temas sobre leitura e formação de leitores.

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