Podem as crianças entender os difíceis dilemas da política?

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A história de Pedro diz que sim

Falar de ditadura não é fácil, muito menos quando se trata de um pequeno leitor. Porém, há maneiras e maneiras de tratar das questões mais difíceis, muitas vezes consideradas distantes do universo protegido da infância. É bom lembrar que essa mesma infância hoje é bombardeada por todo tipo de informação e as crianças, como esponjas, absorvem tudo, muitas vezes sem o espírito crítico e as informações necessárias para compreender e se situar.

Nada como a literatura para entrar em contato com essas realidades difíceis e se ver no outro com o necessário distanciamento e cumplicidade do leitor. O lançamento de livros sobre política para os jovens leitores tem sido frequentes, por isso a importância de retomar alguns livros pioneiros nessa temática e que até hoje ocupam lugar de destaque.

Entre esse livros, A Redação, de autoria de Antonio Skármeta, autor chileno, e ilustrações do grande ilustrador espanhol Alfonso Ruano, ganha destaque. Trata-se de um álbum ilustrado, publicado no Brasil há alguns anos, onde texto e imagens se articulam de forma orgânica e produzem um resultado estético denso e contundente.

A Redação é um livro que quebra o mito dos chamados temas tabus na literatura infantil. Com honestidade, respeito, sensibilidade e poesia, é possível falar sobre qualquer assunto para as crianças, até os mais difíceis.

A história ocorre em um país latino-americano, certamente Chile, na década de 1970 – quando as frágeis tentativas de transição democrática foram abortadas. Algumas referências mais evidentes, como os uniformes do exército, podem indicar para um leitor adulto que se trata de obscuras lembranças do período da ditadura de Pinochet, no Chile. Porém, sabemos que, para além dessas singularidades, há muita coisa em comum com qualquer outro país da América Latina.

A Redação é a história de Pedro. Um menino louco por futebol que estuda no 3º ano do EF1. Depois de testemunhar a prisão do pai de seu amigo Daniel, Pedro passa a observar com outros olhos e a tentar entender os acontecimentos que ocorrem ao seu redor. A tristeza e a dor da família de seu amigo, as notícias que chegam entrecortadas pela censura, o receio pela sua família, pois, ele sabe que seus pais também são contra a ditadura. Começa a se questionar e a refletir sobre essa realidade tão difícil de entender, pois, afinal, ele é só uma criança.

Até que um dia, um capitão do exército visita a escola e propõe, para comemorar a Semana da Pátria, que todos os alunos escrevam uma redação sobre o seguinte tema: “O que minha família faz durante as noites”. O drama de Pedro é enfrentar esse desafio. O desenlace – a sua redação – é a prova de seu entendimento sobre a dura realidade que o cerca e sobre os riscos e a responsabilidade de assumir uma determinada, mas necessária posição. E o que é melhor: com muita inteligência e humor!

A Redação é um conto em que a figura da família é muito forte como porto seguro diante do que o mundo lá fora apresenta. Skármeta mostra como é possível escrever sobre a realidade política para os jovens leitores. Seu texto ganha força e contraponto nas ilustrações realistas e belíssimas de Alfonso Ruano, que descrevem toda a dramaticidade e emoção exigidas e provocadas pelos texto. Ruano reconstroi com detalhes o entorno familiar e cotidiano de Pedro, criando uma atmosfera que deixa transparecer o peso da ditadura.

Autor: Antonio Skármeta e Alfonso Ruano
Tradutora: Ana Maria Machado
Editora: Record
Nº de páginas: 36


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  • Dolores Prades

    Fundadora, diretora e publisher da Emília. Doutora em História Econômica pela USP e especialista em literatura infantil e juvenil pela Universidade Autônoma de Barcelona; diretora do Instituto Emília e do Laboratório Emília de Formação. Foi curadora e coordenadora dos seminários Conversas ao Pé da Página (2011 a 2015); coordenadora no Brasil da Cátedra Latinoamericana y Caribeña de Lectura y Escritura; professora convidada do Máster da Universidade Autônoma de Barcelona; curadora da FLUPP Parque (2014 e 2105). Membro do júri do Prêmio Hans Christian Andersen 2016, do Bologna Children Award 2016 e do Chen Bochui Children’s Literature Award, 2019. É consultora da Feira de Bolonha para a América Latina desde 2018 e atua na área de consultoria editorial e de temas sobre leitura e formação de leitores.

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