América Latina, presente!

Post Author

Atenas foi palco do 36º Congresso do IBBY – International Board on Books for Young People -, realizado nos dias 30 e 31 de agosto e 1º de setembro de 2018. O IBBY nasce em Zurique em 1953 e foi fundado por Jella Lepman1Sobre Yella Lepman foi traduzido e publicado seu livro em espanhol Un puente de libros infantiles, Creotz Ediciones SL, março 2017. que, em meio a toda destruição causada pela Segunda Guerra Mundial, vê na leitura e na literatura a possibilidade de reconstruir o mundo e dar suporte as crianças e jovens castigados por anos de conflito. Hoje se constitui em um coletivo, sem fins lucrativos, composto por associações e pessoas do mundo todo comprometidas com a ideia de promover o encontro da infância com os livros por um mundo melhor. Esta foi a semente do que é hoje a Biblioteca Juvenil Internacional de Munique, fundada em 1949, na Alemanha, atualmente a maior na área de literatura infantil e juvenil do mundo.

O IBBY conta com a participação de mais de 60 seções regionais2A Fundação Nacional do Livro infantil e juvenil é a representação o IBBY no Brasil. que se conformam de acordo com as concepções de suas distintas direções e optam por linhas de atuação que giram em torno dos seus propósitos gerais. A autoridade construída ao longo de décadas, por meio de suas ações e iniciativas como os diferentes prêmios, entre eles o Premio Hans Christian Andersen3Trata-se do Prêmio mais importante da Literatura infantil e juvenil, considerado o Nobel deste gênero, existe desde 1956 para o melhor escritor e desde 1966 para o melhor ilustrador. Lygia Bojunga ganhou o Prêmio em 1982, Ana Maria Machado em 2000, ambas como escritoras, e Roger Mello em 2014, como melhor ilustrador. Para saber mais sobre o Prêmio., faz do IBBY um dos grandes formadores de opinião que, muitas vezes, aponta e decide para onde pende a balança quando se trata de discutir linhas e tendências no mercado do livro para crianças e jovens.

Os Congressos internacionais do IBBY, que ocorrem a cada dois anos, além da oportunidade de estreitar e criar redes no plano internacional, constituem-se em palcos privilegiados para entender quais as principais linhas e concepções que definem a literatura para crianças e jovens nas diferentes regiões do mundo. Tal cenário nos coloca diante de uma diversidade enorme de interpretações que, no mínimo, são suporte para o entendimento das diversidades culturais e de enfoque que caracterizam esta produção ao nível mundial.

Fiéis a sua vocação original, os últimos Congressos4Para saber mais sobre os Congressos. do IBBY levantaram as bandeiras das infâncias em situação de crise, denunciando as atrocidades provocadas pela barbárie contemporânea. Este foco se materializa nas seguidas premiações de projetos comprometidos com realidades em risco e o foco de algumas ações nas regiões mais expostas a conflitos e a denuncia das atrocidades nelas cometidas. No 36º Congresso não foi diferente, como o próprio tema titulo indica: East meets West around chidren’s books anf fairy tales (O Ocidente encontra o Oriente em torno de livros infantis e contos de fadas). O centro de todas as atenções esteve voltado para o tema dos refugiados.

As notícias mais recentes sobre as ondas migratórias de venezuelanos que buscam refúgio em todos os países e principalmente nas suas fronteiras, a separação de pais e filhos na fronteira dos EUA, ou ainda, o enorme número de crianças que atravessam sozinhas as fronteiras dos países da América Central mostram que este drama não se circunscreve aos milhares de refugiados que atravessam o Mediterrâneo. Viagens sem retorno, ruptura dos enraizamentos e das estabilidades, dos domicílios, um mundo que ultrapassa e rompe fronteiras, como a única opção do drama humano imposto pelos conflitos.

A maioria das comunicações do Congresso trataram de tais questões. Porém, nem sempre isto se refletiu numa visão mais de ponta da LIJ, ao contrário, a pequena mostra – da intensa programação – que pude assistir ficou inserida dentro da educação formal, sem margens para muitas ousadias e avanços. A conferência magistral de abertura, a cargo de Perry Nodelman, ficou longe das minhas expectativas, reforçadas pelo seu titulo sugestivo de Fish is People. What Post Humanism can teach us about children’s Picture books and what children’s Picture books can teach us about Post Humanism5Peixe é gente, O que o Pós humanismo pode nos ensinar sobre os álbuns ilustrados e o que os álbuns ilustrados podem nos ensinar sobre o Pós Humanismo.. A sugestão anunciada se resumiu a uma apresentação de como a literatura infantil tem antropomorfizado os animais, no caso os peixes, fazendo uso de um recurso que mais distancia do que aproxima os leitores dos verdadeiros problemas humanos. Os desdobramentos deste enfoque, no entanto, não foram aprofundados por Perry Nodelman que não avançou para além da apresentação de um problema.

Exceções existem e algumas experiências se destacaram pela sua força e função social importantes. Uma das apresentações mais emocionantes e inspiradoras foi Les doigts qui rêvent, projeto ganhador 2018 IBBY – Asahi Reading Promotion Awards, projeto voltado à produção de livros especiais para crianças de baixa visão.

O peso da China, visível no numero de assistentes dessa nacionalidade, se confirmou no último dia com a eleição da nova diretoria do IBBY6Mingzhou Zhang de Beijing, China, é Presidente eleito pelo IBBY para os próximos dois anos. Para o Comitê Executivo, Nora Lía Sormani, IBBY Buenos Aires, Argentina foi eleita como representante de América Latina.. Se isto é fato, gostaria de salientar a presença da América Latina e Caribe. Alguns países estiveram ausentes, como o Brasil, mas representantes de Argentina, Colômbia, Uruguai, México, Peru, Bolívia, Venezuela, Cuba e El Salvador marcaram território. O caráter acadêmico e formal da maioria das intervenções do Congresso se dissolve, no caso de América Latina e Caribe, na conexão da reflexão da LIJ com os projetos de fomento ao livro e a leitura e a formação de futuros leitores que nos caracteriza.

Parte da crítica produzida na América Latina e Caribe, dentro de um contexto como este, mostra uma identidade que chama a atenção pela sua atualidade e compromisso com o significado social da promoção da leitura e a formação de mediadores. As razões disto são muitas, desde a rede construída ao longo das últimas décadas, sob a regência de algumas ações históricas de alguns IBBYs, como a atuação decisiva do Banco del Libro de Venezuela, o Congresso do IBBY de Cartagena de Indias, na Colômbia, em 20007Este foi um Congresso histórico na América Latina, realizado e dirigido por Silvia Castrillon, na época Presidente do IBBY na Colômbia.. A ação de algumas editoras como a Ekaré, responsável por um dos catálogos pioneiros da América Latina, ou de algumas coleções como a criada pelo Fondo de Cultura Econômica – Espacios para a Lectura -, e mais recentemente por Babel Libros – Primero el lector –, na Colômbia.

Estas ações se materializaram, anos mais tarde, no plano acadêmico, na constituição do Master em Libros y Literatura infantil y juvenil e no Grupo Gretel de pesquisa criados por Teresa Colomer na Universidade Autônoma de Barcelona. Críticas como Graciela Montes, María Teresa Andruetto, Ana Maria Machado e Marina Colasanti, só para citar algumas, dão a densidade das referencias teóricas já produzidas entre nós. Esta longa história de intercâmbios e construção de espaços e redes resulta em uma base de referencias sólida e particular que em situações como a de um Congresso do IBBY marcam presença e se destacam, mesmo quando pontuais e isolados.

A visão global do que está se pensando nas diferentes regiões, os temas mais destacados e os enfoques enfatizados do livro para crianças e jovens colocam a crítica produzida na América Latina e Caribe entre as mais férteis e criativas. Se isto, por um lado, nos da um lugar de destaque, por outro faz aumentar a nossa responsabilidade, pois o papel que podemos desempenhar para que os livros para crianças e jovens construam pontes e formem leitores independentes é grande.

Notas

  • 1
    Sobre Yella Lepman foi traduzido e publicado seu livro em espanhol Un puente de libros infantiles, Creotz Ediciones SL, março 2017.
  • 2
    A Fundação Nacional do Livro infantil e juvenil é a representação o IBBY no Brasil.
  • 3
    Trata-se do Prêmio mais importante da Literatura infantil e juvenil, considerado o Nobel deste gênero, existe desde 1956 para o melhor escritor e desde 1966 para o melhor ilustrador. Lygia Bojunga ganhou o Prêmio em 1982, Ana Maria Machado em 2000, ambas como escritoras, e Roger Mello em 2014, como melhor ilustrador. Para saber mais sobre o Prêmio.
  • 4
    Para saber mais sobre os Congressos.
  • 5
    Peixe é gente, O que o Pós humanismo pode nos ensinar sobre os álbuns ilustrados e o que os álbuns ilustrados podem nos ensinar sobre o Pós Humanismo.
  • 6
    Mingzhou Zhang de Beijing, China, é Presidente eleito pelo IBBY para os próximos dois anos. Para o Comitê Executivo, Nora Lía Sormani, IBBY Buenos Aires, Argentina foi eleita como representante de América Latina.
  • 7
    Este foi um Congresso histórico na América Latina, realizado e dirigido por Silvia Castrillon, na época Presidente do IBBY na Colômbia.

Compartilhe

Post Author

Autor

  • Dolores Prades

    Fundadora, diretora e publisher da Emília. Doutora em História Econômica pela USP e especialista em literatura infantil e juvenil pela Universidade Autônoma de Barcelona; diretora do Instituto Emília e do Laboratório Emília de Formação. Foi curadora e coordenadora dos seminários Conversas ao Pé da Página (2011 a 2015); coordenadora no Brasil da Cátedra Latinoamericana y Caribeña de Lectura y Escritura; professora convidada do Máster da Universidade Autônoma de Barcelona; curadora da FLUPP Parque (2014 e 2105). Membro do júri do Prêmio Hans Christian Andersen 2016, do Bologna Children Award 2016 e do Chen Bochui Children’s Literature Award, 2019. É consultora da Feira de Bolonha para a América Latina desde 2018 e atua na área de consultoria editorial e de temas sobre leitura e formação de leitores.

Artigos Relacionados

Livro ilustrado não ficcional

O banquete dos notáveis

Dick Bruna, o pai de Miffy – O Estilo – 2

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *