Caros editores: publiquem menos. Não se vive só de bestseller

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O mercado editorial atual está em colapso bulímico. Uma fome de boi o gerou, um olho bovino o supervisiona. Os editores são vítimas da necessidade de colocar no mercado uma quantidade despropositada de livros que não corresponde a nenhum desejo de ler um livro qualquer. O resultado é que o sistema vomita regularmente milhões de cópias que vão pra manjedoura cantando. Entre em uma livraria – principalmente as das grandes cadeias – e terá diante dos olhos o espetáculo obsceno de um lugar em que convivem orgia e matadouro. A livraria é hoje, ao mesmo tempo, a última fileira do êstase moderno das mercadorias e a antecâmera de um aterro. Sentem-se os sons de orgasmos desesperados e a estridência de animais no matadouro.

Metáforas hiperbólicas? Alguns dados confirmam. Na Itália, em 2011, segundo o Sistema Estatístico Nacional Italiano (Istat), entre os italianos de idade superior a seis anos apenas 46% haviam lido ao menos um livro por ano. Apesar disso, nesse mesmo ano foram publicados 59.237 títulos. Considerando as tiragens em seu total, temos 4 exemplares para cada cidadão. Nos dados do banco de dados Informação Editorial (IE), no mesmo ano, consta que, mesmo o mercado tendo perdido 723.000 leitores, o número de títulos publicados teria subido cerca de 63.000 (mais 4.5%).

Em suma, publicam-se livros demais para leitores de menos. E quanto mais estes diminuem, mais a desproporção em relação ao número dos livros aumenta. Se considerarmos que mais da metade dos títulos são de primeira edição, parece claro que as estratégias editoriais apostam nas novidades (muitíssimos istant books), na busca do best-seller (mais que dos long sellers) e no serrado turn over dos livros nas prateleiras. Todos nós sabemos, atualmente, por experiência, que a atenção dos editores e dos profissionais do setor, inclusive da imprensa, para com um novo título, admitindo-se que esta atenção exista, dura no máximo quatro semanas a partir do lançamento. Salvo no caso em que o livro vire best-seller, obviamente. Nesse caso a duração será de um mês, não mais. Este é hoje o semiciclo médio de vida comercial de um livro.

Com frequência tenho perguntado a diretores editoriais a razão deste despropósito entre o número de livros e o de leitores. Nenhum deles conseguiu apresentar uma razão convincente. Até que uma noite, durante um jantar de aniversário, saboreando um ótimo vinho branco “fermo”, uma senhora elegante e brilhante me falou de … roleta: “Joga-se um monte de fichas na mesa – me disse – e espera-se que a bolinha pare no seu número”. Quanto mais fichas você compra, maior a chance de ganhar. A imensa quantidade de títulos é filha da busca desenfreada pelo best-seller. A editoria reduziu-se a jogo de azar.

Esta tática suicida dura já muitos anos e preparou a crise do mercado – menos 10% em 2013 – na contração do consumo. Mas produziu, principalmente, uma crise cultural: a livraria, de lugar de distinção, transformou-se no reino do indistinto. A lógica do device colonizou também as partes do livro: conta só o dispositivo, numa total indiferença dos conteúdos. Quando você devaneia com o seu smartphone, experimenta a indiferenciação entre um filme, um video-game, uma conversinha mole e as fotos de sua filha, aquilo que está fazendo, de todo jeito, é passar tempo com o smartphone. Com os dispositivos da livraria do colapso bulímico está acontecendo a mesma coisa: um excesso de títulos submersos nas sucessivas ondas aluvionais das novidades editoriais. Os únicos salvos são os best-seller. E aí o único critério de julgamento é a autocracia do sucesso.

Este cenário reflete a concepção do livro enquanto bem de consumo e não como bem durável, muito menos bem comum. (A Lei Letta (nome de um ex-primeiro ministro italiano) que permite a dedução de 19% das despesas com livros não inverte a tendência: ajuda a indústria editorial, não a cultura. Por que eu deveria pagar impostos extras em nome daqueles que podem deduzir o custo de livros de receita banais, ou de romances fáceis e superficiais. Este quadro ignora, além disso, as dinâmicas históricas da oferta cultural que não saturam jamais a demanda mas, ao contrário, a criam (em 1851, um escritor americano, depois do fracasso do seu último romance, parou de escrever; o escritor era Melville e o romance Moby Dick). Hoje o esforço, ao contrário, está em replicar o sucesso alheio do ano anterior. Seria necessário, neste ponto, acrescentar que, caindo neste precipício bulímico, a deterioração está assegurada?

A economia dos bens culturais requer, para produzir valor, que os mesmos sejam socialmente valorizados. Quando se cai no terreno do passatempo, a derrota é certa. Aí o smartphone venceu. Ou a indústria editorial continua a ser uma empresa cultural ou falirá. E se não falir, será de todo jeito preferível ir a uma pizzaria!

Por isso, caros editores, comecem a publicar menos livros. E principalmente, recomecem a acreditar que a leitura de um livro possa ser algo mais, ou pelo menos diferente, de se passar o tempo com um smartphone ou de uma noitada na pizzaria. Se vocês não acreditam, não podem exigir que o façam os (não)-leitores.1Artigo publicado na coluna do escritor no jornal La Stampa de 7/1/2014

Tradução Claudia Souza

Nota

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    Artigo publicado na coluna do escritor no jornal La Stampa de 7/1/2014

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  • Antonio Scurati

    Nasceu em Nápoles, em 1969. É pesquisador de cinema, fotografia e televisão na Universidade de Comunicação e Línguas de Milão, onde dá aulas de literatura e estudos de mídia. Colunista do jornal La Stampa e escritor premiado, com obras traduzidas em várias línguas, mas ainda inédito no Brasil.

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