Javier Zabala

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Timidez disfarçada por uma habilidade tremenda em contar histórias sem parar e emendar um “hombre” – quase cômico – no começo ou final de cada frase. Lá vem ele, o premiado ilustrador espanhol Javier Zabala, professor carismático e figura solta que conversa, sorri e seguidamente passa a mão nos cabelos, como quem encontra no movimento um lugar seguro. Foi assim que o conheci nos corredores de Bolonha, falando rápido e transformando um encontro de trabalho num momento espirituoso. Primeiro dia de feira, já passavam das seis e o pavilhão iria fechar. Eis que o experiente Javier, 20 anos de Bolonha, nos disse que conhecia um tal de autobus que levava os visitantes ao centro sem lentidão ou espera. Quando vimos, seguíamos o “hombre” numa procura atrapalhada pelo tal ônibus. Foram 50 minutos de andança e muita risada até chegarmos ao café onde falamos de literatura, viagens e planos futuros. Foi ali que Javier aceitou o convite de Dolores Prades para ir ao Brasil e discutiu com o artista plástico, ilustrador e escritor Fernando Vilela uma possível residência artística.

Quatro meses depois, Javier está para embarcar. É sua primeira visita ao país, onde participa do Conversas ao Pé da Página e ministra duas oficinas, uma no Conversas e outra no Instituto Tomie Ohtake – no mesmo evento em que fazem parte Vilela e o artista japonês Katsumi Komagata.

Abaixo, o espanhol relembra sua infância, fala de música, mestres artísticos e formação de ilustradores. Também discorre sobre todas as suas inspirações e desafios para terminar assim, sempre a empregar argúcias: “Só queria dizer que nunca tive de responder a tantas perguntas, tão interessantes e tão seguidas, e que seu sobrenome em espanhol soa muito engraçado.”

Javier Zabala

Thais Caramico – Javier, você sempre gostou de ler e desenhar, imagino. Conte um pouco sobre sua infância e como a sua rotina em casa acabou influenciando suas escolhas.

Javier Zabala – Éramos seis irmãos e nascemos todos muito próximos, o que deixava minha mãe louca. Lembro-me de uma infância muito feliz. Brincávamos sempre juntos e líamos também, uns mais do que os outros, claro. Minha mãe, principalmente, sempre foi uma apaixonada por livros, por isso, felizmente, me lembro de estar sempre rodeado de livros. Lembro-me ainda de ter começado a desenhar por volta dos oito anos. Foi em Astúrias, na costa norte da Espanha, uma região muito chuvosa onde passávamos o verão. Minha mãe inventava um monte de coisas naqueles dias de chuva e uma vez organizou um concurso de desenho para meus primos, irmãos, amigos… um monte de crianças. Na realidade, eu não participei muito entusiasmado desse concurso, mas, na tarde da entrega dos prêmios (e houve muitos), vi os trabalhos que os outros haviam feito e me arrependi de não ter participado com mais dedicação. Na manhã seguinte, comecei a desenhar (um exército de soldados egípcios com cera, me lembro bem) e desde então não parei mais.

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Der einsame drache, 2007. Técnica: monotipia, acrílica, aquarela, colagens, hidrográfica e esferográfica

TC – O que mais gostava de desenhar e ler?

JZ – Eu me lembro de desenhar e pintar em todo tipo de papel que passava na frente dos meus olhos, inclusive em jornais e revistas. Meu pai ficava bravo quando eu os manchava antes que ele lesse. Eu lia muitos quadrinhos, livros de aventuras, clássicos como Moby Dick, A Ilha do Tesouro, As viagens de Gulliver etc.

TC – Isso ajudou a fazer de você o artista que é hoje?

JZ – Ainda tenho na minha casa uma coleção de contos clássicos da Editora Noguer, com uma edição muito bem cuidada, que eu devorava quando era pequeno. Recordo do cheiro das páginas e, principalmente, das ilustrações, todas de artistas do leste europeu. Faz alguns anos, relendo alguns desses contos, me reconheci em muitas dessas ilustrações. Acredito que sem que eu sequer soubesse elas me influenciaram muito.
Depois, sem dúvida, as paisagens com árvores altas da região onde nasci e as arquiteturas gótica e romana sempre estiveram presentes no meu trabalho como profissional. Há algo nas minhas ilustrações, uma verticalidade que se repete, que creio que tem a ver com as torres altas da Catedral de León ou com as copas dos álamos ao redor da cidade. León é uma linda e pequena cidade no meio do caminho de Santiago, fundada pelos romanos há 2000 anos.

El bosque de los sueños
El bosque de los sueños
, 2004. Técnica: aquarela, canetas, grafite, colagem, acrílica e photoshop

El bosque de los sueños 2
El bosque de los sueños, 2004. Técnica: aquarela, canetas, grafite, colagem, acrílica e photoshop

El gato con botas
El gato con botas, 2011. Técnica: graphite, tintas, aquarela, photoshop

TC – Você trabalha em Léon?

JZ – Ali eu tenho um estúdio, que uso no verão. Mas vivo em Madri, onde trabalho o resto do ano em um estúdio menor.

TC – E hoje, quais são os livros, autores e ilustradores que você costuma ter por perto?

JZ – Ultimamente também leio muito os clássicos, mas se tivesse que escolher os autores que me interessam, ficaria com William Faulkner, Milan Kundera, Herman Hesse… E os autores imprescindíveis, na minha opinião, de livros ilustrados: Jozef WilKon, Stepan Zavrel, Tomi Ungerer, Wolf Erlbruch, Beatrice Alemagna, Jindra Capek, David McKee, Linda Wolfsgruber, Leo Leoni, Kveta Pacovska e Maurice Sendak.

TC – Como veio essa vontade de levar os desenhos como profissão? Por que nos livros?

JZ – Sempre quis ser ilustrador, ainda que no começo não tenha sido um caminho fácil. Quando consegui resolver alguns problemas que me impediam dedicar-me a ilustrar, ficou mais simples. Comecei a trabalhar antes de terminar meus estudos na Escola de Arte e optei pelos livros porque era o setor em que havia mais liberdade criativa.

TC – Você trabalha com livros infantis e adultos . O que muda no seu processo criativo com essa divisão?

JZ – Os psicólogos dizem que quando uma criança pequena pergunta “Pai, o que é isso?” enquanto olha um cachorro, existem três possibilidades: 1) Isso é um au-au. 2) É um cachorro. 3) É um pastor alemão de mais ou menos cinco anos. Os psicólogos preferem a terceira resposta, ou seja, a mais completa, e eu também. Digo isso porque não acredito que se deva falar a uma criança com uma linguagem simples, seja ela literária ou gráfica. Sem dúvida, atualmente, o mercado admite muito mais linguagens gráficas do que há dez anos, e as crianças têm capacidade para compreender todas elas.
Penso que já existem no mercado propostas suficientes de livros ilustrados com grande qualidade que servem para todas as idades, de 1 a 99 anos. Na Europa, inclusive, muitos pais compram para eles mesmos livros ilustrados supostamente editados para crianças. Sim, acredito que existem temas e/ou maneiras de tratá-los que podem não ser as mais adequadas para uma determinada idade e esta seria a linha que não deveríamos ultrapassar. Ao menos atualmente. Mas este é um debate complexo, e muito interessante, sobre o qual haveria muito mais o que dizer.

El hombre que compró la ciudad de Estocolmo
El hombre que compró la ciudad de Estocolmo, 2010. Técnica: Monotipia, acrílica, colagem, esferográfica e tinteiro, pastel, photoshop

Barcelona fur kinder
Barcelona fur kinder, 2002. Técnica: canetas, pastel, monotipia, acrílica, colagem, guache, grafite

TC – Como você enxerga o texto antes de pensar em ilustrá-lo?

JZ – Depende, obviamente, do texto. Não acredito que ninguém tenha regras fixas para isso. Penso que a chave é encontrar lugares comuns entre o mundo que o escritor propõe e o seu próprio mundo, primeiro anímico ou intelectual e, em seguida, gráfico. Eu tenho uma maneira de trabalhar muito intuitiva, pela qual me deixo levar sem controle durante um bom tempo para ver o que acontece, combinando técnicas e inclusive estilos gráficos ou formas de narrar. Nesse ponto, não me coloco nenhum limite além de um resultado gráfico que me satisfaça. Depois, me forço a racionalizar os resultados obtidos e é quando começo, de verdade, a fazer o livro. É muito diferente desenhar de ilustrar, mas também é muito diferente ilustrar e fazer livros.

TC – Então, de textos shakesperianos à poesia de Garcia Lorca, como é trabalhar com estilos tão diferentes?

JZ – Cada livro oferece desafios diferentes e acredito que para resolvê-los funciona apenas encarar o trabalho com confiança e, principalmente, com sinceridade. Depois é questão de deixar-se levar pelo texto e pelos seus recursos e, inclusive, pela sua falta de recursos. Um clássico, por exemplo, já foi visitado mil vezes por diferentes artistas em muitas épocas. Acho que você tem de pensar que também tem capacidade de dar sua opinião. Não acredito que devamos pretender ir muito alem, apenas fazer o melhor possível, dentro de nossas capacidades neste momento.

Santiago
Santiago, 2007. Técnica: Monotipia, acrílica, colagem, hidrográfica e tinteiro, photoshop

TC – O que te inspira, Javier?

JZ – A inspiração pode vir de qualquer lugar, ainda que normalmente seja decorrência de uma combinação de situações. Eu costumo partir de algo pessoal, seja uma lembrança, um interesse ou um hobby antigo, uma foto, uma música, um filme, uma exposição ou uma paisagem. Depois, nós, artistas, somos como esponjas, estamos olhando coisas o dia todo e tendemos a ter uma grande capacidade para guardá-las e, com o tempo, usá-las.
O problema é que nem tudo o que arquivamos é bom. Temos muito lixo gráfico que às vezes aparece. E aí é preciso estar atento! Há também muitas influências que você recebe e que nem sequer sabe que as tem até que elas apareçam no papel. É preciso decidir se essa influência tal e como você a vê está suficientemente metabolizada por você para incorporá-la ao seu mundo ou simplesmente deixá-la na gaveta… ou na lixeira. Imagino que isso forme parte do processo de pesquisa, que no meu caso é exaustivo, e que vai te afastando daquilo que você não quer fazer, mas que te aproxima daquilo que você desejaria fazer. Às vezes, o processo é muito fácil. Como quando te fazem uma pergunta que você sabe.

La dama del perrito
La dama del perrito, 2009. Técnica: monotipia, colagem, inks, print roller, pastel, felt pen, photoshop

TC – E como você se sente enquanto está ilustrando cada um desses gêneros?

JZ – Há alguns anos, descobri que era muito mais fácil trazer o problema para o mundo pessoal do que tentar resolvê-lo indo (você e seu mundo) buscá-lo. Explico. O mundo do escritor não é obviamente o seu, ainda que se possam encontrar lugares comuns, como eu dizia antes. Eu acredito firmemente que o trabalho de um ilustrador deva ser o mais sincero possível e isso implica também que ele seja o mais pessoal possível.
Buscar originalidade por meio das técnicas ou dos efeitos gráficos ou dos formatos estranhos não é um bom caminho, na minha opinião. Todos os seres humanos são distintos se você tiver a paciência de buscar um pouco mais embaixo das camadas sociais que nos uniformizam. Acredito que o verdadeiro trabalho de um artista é esse. Encontrar a essência da sua diferença. Creio que só assim conseguimos fazer trabalhos originais. E como, na realidade, todos temos partes boas e más na nossa personalidade, usamos, dependendo de cada livro, umas ou outras. Um ilustrador amigo disse que nós, artistas, economizamos um monte de dinheiro com psiquiatras porque isso, no final, acaba num livro.
Gostaria de dar um exemplo concreto. Lembro-me bem que o personagem Bartleby se impôs sobre todos os demais do livro. Além disso, ele mesmo escolheu sua forma de ser representado. Neste livro usei, pela primeira vez, grandes primeiros planos dos rostos das pessoas, parecia a melhor maneira de representar o difícil mundo psicológico de Bartleby, uma figura muito interessante.

Bartleby el escribiente
Bartleby el escribiente, 2008. Técnica: acrílica, colagem, esferográfica e tinteiro, photoshop

Bartleby el escribiente 2
Bartleby el escribiente, 2008. Técnica: acrílica, colagem, esferográfica e tinteiro, photoshop

TC – Sua obra é bastante renomada e reconhecida, seus personagens são únicos. Conte um pouco sobre suas técnicas, estilos, materias e cores que te seguem, o que te fascina.

JZ – Muito obrigado, senhorita! Eu gosto de absolutamente todas as técnicas. De fato, vario bastante porque me renova, parece que assim sempre se está começando e é uma sensação que me agrada. Ainda assim, creio que a técnica em si é apenas um acidente, não se pode usar a técnica como coluna vertebral de um livro porque acho que cairia no maneirismo, ou em um virtuosismo vazio de conteúdo. Prefiro uma ilustração com defeitos de forma, mas com capacidade de me emocionar. Agora, por exemplo, estou muito interessado no uso dos pigmentos. Eu os utilizei pela primeira vez em um curso de afresco que fiz na Itália há alguns anos. A combinação do pigmento, água e cal na parede me fascinou, assim como a relação com a parede. Depois, eu os usei em meus livros seguintes e agora os mesclo com outras técnicas, como sempre fiz.
Sobre o estilo, que é apenas isso que fazemos, não posso dizer nada. Está aí. Não sou consciente de ter um estilo quando trabalho. Sim, sei que sou muito eclético e que tenho que ter cuidado para proteger a coerência gráfica de um livro, ainda que às vezes eu goste de provocar a incoerência e depois tentar que o todo funcione.
Outro amigo me disse uma vez vendo meu trabalho logo no começo: “Javier, você começou cinco carreiras e só tem uma na vida!” Gostei disso. Sim! A cor, o preto. Depois todas, mas muito contrastadas entre si. Mas também muito harmonizadas entre si.

TC – E a timidez, seguida por falas sem intervalos, me parece algo muito seu. Você é tímido, Javier? Essa característica está presente na sua obra?

JZ – Sim, sou tímido desde pequeno, você adivinhou. De fato era “o tímido”. Mas agora, quando digo isso a alguém que não me conhece, ninguém acredita e fica surpreso. Imagino que a timidez possa ser ocultada com a experiência, ou falando muito… E quase todos os artistas que conheço são iguais a mim, tímidos. Os atores, por exemplo, curiosamente, são os mais. Mas o certo é que eu, com gente, me divirto e aproveito muito. Para um trabalho como o nosso tão introspectivo e ao qual é preciso dedicar tanto tempo, o ser tímido me parece que é uma grande vantagem.

El duende y el campesino
El duende y el campesino, 2004. Técnica: stencil, pastel, colagem, aquarela

TC – E da tecnologia, você gosta ou ela te dá uma certa preguiça?

JZ – Eu gosto da tecnologia, e muito, para quase tudo. E é verdade que às vezes me dá muita preguiça de fazer certas coisas que servem para minha promoção profissional, como um site (faz apenas dois meses que lancei o primeiro, depois de receber mil broncas dos amigos). Mas também é verdade que não tive um cartão de visitas até dois anos atrás e já tenho mais de vinte anos como profissional.
Uso o computador em quase todos os meus livros, pelo menos no final. Mas reconheço que fico um pouco nervoso com o fato de não poder sentir o cheiro da tinta e do papel e, principalmente, não sentir a adrenalina como quando se trabalha à mão. Culpa da manzanita + Z (a tela de comando que, quando apertada com a letra Z, desfaz a última ação). Eu gosto de ter a possibilidade de errar, acho que também é uma ferramenta criativa importante. Os erros costumam te levar a lugares desconhecidos.

TC – Como professor, você é bem conhecido na Espanha e nos países de língua espanhola da América Latina. Como foi que decidiu começar a dar aulas? Como é essa questão na sua vida hoje?

JZ – Comecei a dar cursos de ilustração porque procurei essa possibilidade durante muito tempo quando era jovem e não tive êxito. Os participantes costumam ser alunos dos últimos anos dos cursos de ilustração, ou novos profissionais ou simplesmente profissionais que procuram coisas novas. Costuma ser gente interessante e simpática, muito trabalhadora, com muito estímulo, talento e ilusão. O feedback é tremendo. Acho que aprendo mais do que eles…

Hamlet

Hamlet
Hamlet, 2009. Técnica: monotipia, acrílica, photoshop

TC – Como suas aulas funcionam?

JZ – Depende muito do grupo com o qual eu esteja. Não há dois iguais. Improviso ou uso minhas experiências com outros cursos até que o grupo encontre sua dinâmica. O segundo dia é o mais difícil, no terceiro costumam aparecer as crises e, a partir do quarto, é incrível como os resultados começam a aparecer de repente. Mas aprender a ilustrar não é fácil! Na medida do possível, tento fazer com que os alunos se encontrem com a técnica certa e a maneira certa de narrar.

TC – Dessa experiência de ensinar e ter contato com muita gente nova, como você vê a o futuro da ilustração?

JZ – Sem dúvida, há profissionais com talento hoje em dia, entre os que estão começando. Eles estão muito mais preparados do que a minha geração quando tinha a idade deles.O único porém que eu teria em relação aos cursos é que se produz certa homologação dos estilos. É muito difícil desconectar uma técnica de um estilo na hora de ensinar. Mas acho que se deve solucionar com um intenso trabalho de casa, metabolizar os resultados. O mesmo que nós fazíamos sem professores, mas um pouco mais fácil.
Tenho visto surgir ilustradores de maneira exponencial. Artistas com um grande talento já aos 20 anos, e que ainda podem se desenvolver com o tempo e com muito esforço. Também tem gente que precisa de mais trabalho para chegar ao mesmo nível, mas que às vezes, inclusive, chega antes. O mercado está cheio dessas promessas de poucos anos atrás, que agora são profissionais muito considerados e com futuro melhor.

Don Quijote de la Mancha
Don Quijote de la Mancha, 2004. Técnica: aquarela, tinteiro, grafite, colagem

TC – Esse então é um momento bom para a ilustração?

JZ – Na Espanha temos, por sorte, um alto nível de ilustração, com nomes consagrados como Isidro Ferrer, Ana Juan, Pablo Amargo, Pablo Auladell, Miguel Calatayud, Emilio Urberuaga, Elena Odriozola, Riki Blanco… E gente mais jovem como Violeta Lópiz, Sara Morante, Nicolai Troshinsk e um leque enorme…
Na América Latina também há nomes muito importantes e com muita repercussão em todo o mundo, principalmente na Argentina, Brasil e México. Me vêm à cabeça nomes como Isol, Luis Scafatti, Fernando Vilela, Roger Mello, Alejandro Magallanes, Gabriel Pacheco…
Creio que a diferença não está no talento (que existe dos dois lados do Atlântico), mas sim em ter as oportunidades de poder desenvolvê-lo com liberdade e condições justas de mercado.

TC – Quais são os bons programas de formação de ilustradores hoje?

JZ – Eu conheço, sobretudo, na Itália e na Espanha, ainda que saiba que existem, e de prestígio, em toda a Europa e também na América Latina.
Na Itália, destacaria os Cursos de Verão e o Master de Macerata, os cursos da Scuola Internazionale de Sàrmede, o MiMaster de Milão, a Escola de Urbino…
Na Espanha, tem agora um novo Master em Madri, “com i”, e muitas escolas muito interessantes em Barcelona. Também em Madri, havia uma escola pública, a “Escola de Arte 10”, da qual saíram os mais prestigiosos ilustradores espanhóis dos últimos anos, mas, por razões políticas difíceis de entender, parece que perdeu presença. No México, não posso deixar de mencionar a Casa Etlá, uma residência para artistas impressionante, ao lado de Oaxaca, que seria de dar inveja a qualquer país.

TC – Javier, quantos livros você já ilustrou? No Brasil temos “Santiago” e “Platero e Eu”, pela Martins Fontes.

JZ – Aproximadamente foram 70 livros de ficção, em muitas editoras, tanto na Espanha, como no exterior. As que mais me marcaram foram a extinta Bohem Press da Suiça, a Grimm Press de Taiwan, a Nórdica Libros, Libros del Zorro Rojo, e dos grandes grupos com os que mais colaborei foram Anaya, SM e Edelvives.
No Brasil, só trabalhei diretamente com uma editora e devo dizer que foi um verdadeiro prazer trabalhar a quatro mãos com Alexandre Martins Fontes, um verdadeiro cavalheiro, da Editora WMF Martins Fontes.

Platero e eu
Platero e eu, 2010. Técnica: monotipia, acrílica, colagem, tinteiro, stencil, hidrográfica

TC – E quando é que você se sente muito feliz com o resultado de um trabalho?

JZ – Hummm, pergunta capciosa, hein? Em geral, quando consigo pelo menos 60% dos objetivos que me coloquei no início. Também quando o resultado me faz vibrar. Faz tempo que não deixo que um livro saia do meu estúdio até que eu goste.

TC – É a sua primeira visita ao Brasil. O que espera?

JZ – Pois é, nunca estive no Brasil. Curiosamente, minha avó materna nasceu e viveu até os dez anos em São Paulo! De vez em quando usava palavras em português. Espero uma cidade enorme, colorida, musical, moderna, com muitos contrastes… mas na realidade, quando eu viajo, prefiro não imaginar nada a priori. Assim a realidade me surpreende mais. Não sou muito de usar guias de viagens.

TC – E sobre o Conversas ao Pé da Página, quais são suas expectativas?

JZ – Estou certo de que ali encontraremos pessoas amantes dos livros, em um ambiente muito cordial e inclusive descontraído, como pude ler em blogs de amigos que já participaram. Sobre o que estou preparando, creio que você terá que assistir para saber…

TC – Eu adoraria, pena que não vou estar no Brasil… Mas enfim, ainda terá uma residência artística com Fernando Vilela e Katsumi Komagata. Como é isso para você? E já participou de algo parecido?

JZ – Assim que Dolores Prades me propôs isso, aceitei imediatamente. Me parece algo muito interessante como profissional e muito enriquecedor como artista. Na verdade, eu organizei, na minha cidade natal, reuniões deste tipo várias vezes com colegas amigos de diversos países e a experiência foi absolutamente positiva. Acho que nos divertiremos muito!

TC – Você já disse numa entrevista que se fosse para ter outra profissão, seria música. Você toca algum instrumento? E como a música entra no seu trabalho?

JZ – Nenhum instrumento. Quando era jovem, cantava em um coral renascentista. Mas a música é pra mim algo imprescindível, para além dos estilos. Cada livro que faço tem sempre sua própria trilha sonora. Barcelona para crianças é Tom Waits. O primeiro livro que fiz para o exterior foi sobre o livreto da ópera de Janacek, A raposa esperta. Não podia imaginar um livro mais adequado para mim naquele momento…. A verdade é que sempre trabalho com música.

El soldadito Salomón
El soldadito Salomón, 2004. Técnica: acrílica, guache, colagem

Delicatessen Suite 1
Delicatessen Suite 1, 2001. Técnica: aquarela, nanquim

TC – E quem são seus mestres, professores ou pessoas que te influenciaram, clássicos e contemporâneos da arte?

JZ – Eu tive uma infinidade de influências e muitas vezes me comparam com artistas que eu nem conheço. (Na realidade, podemos receber influência através de terceiros). Mas há, claro, influências que reconheço em mim e que formam parte do meu mundo.
Sem dúvida o primeiro nome me que vem à cabeça é do artista polaco Jozef Wilkon. Estive em sua casa em Varsóvia recentemente e foi uma das viagens mais bonitas da minha vida. Ele tem 85 anos e segue sendo uma criança ativa e curiosa. Desde que o conheci, há 20 anos, tem sido um mestre para mim.
Outros artistas: Goya, Picasso, Paul Klee, expressionistas alemães, Chagall, Piero de la Francesca, Brueghel, Giacometti, Balthus, Chillida, Toulouse Lautrec, Matisse, Vangogh, a arte pré-histórica, a romana… e … André François, Saul Steinberg.

TC – Antes de a gente terminar essa longa conversa, me diga o que anda fazendo no momento? Você comentou sobre mais um livro para a Zorro Rojo. O que é? E o que mais?

JZ – Sim, é um livro com texto de Mario Benedetti, que está finalizado e sairá este outono, na Europa. Não se sabe como funcionará um livro quando sai do estúdio, mas com este livro, estou contente. Também acaba de sair no México – finalmente! –, um livro que terminei em fevereiro do ano passado com texto de Jorge Luján e editado pelo Conaculta. Estou ainda trabalhando em vários projetos muito interessantes, mas não posso dizer muito sobre eles porque os textos são de domínio público e os editores me matariam. O que, sim, posso te dizer é que estou trabalhando também em uma versão digital de Bartleby, o escrevente, de H. Melville. Para que você não diga que sou preguiçoso tecnologicamente! E nada mais, senhora Caramico. Apenas que nunca tive de responder a tantas perguntas, tão interessantes e tão seguidas, e que seu sobrenome em espanhol soa muito engraçado.”

Poster Fundación Germán Sánchez Ruipérez 2010

Tradução Thais Albieri

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  • Thaís Caramico

    Especializada em jornalismo para crianças, em 2009, elaborou o novo projeto editorial do "Estadinho", suplemento infantil do Estadão. Mudou-se para Londres, em 2011, para estudar Escrita para Crianças, na City University London. Desde então, trabalha como jornalista freelancer e é é sócia do Estúdio Voador.

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